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Os Animais como Sujeitos de Direito - TCC

Atualizado: 2 de mar.



UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS FACULDADE DE DIREITO

OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITO

KRYSTAL CASTOR DE BARROS RIO DE JANEIRO 2012

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Ana Lucia Sabadell da Silva


Resumo O presente trabalho analisa a relação do homem com os animais, primordialmente sob o ponto de vista jurídico, a fim de apresentar os posicionamentos referentes ao status que tais animais assumem dentro do Direito, ora como objetos de direitos, ora como sujeitos de direito. Para tanto, investigou-se a evolução legislativa sobre o tema e o tratamento dado pela jurisprudência, sob à luz dos fatos históricos e da herança cultural, além de apresentar as principais teorias que envolvem os direitos dos animais. A conclusão adquirida com o estudo foi de que animais possuem certos direitos fundamentais, ainda que determinadas leis estipulem o contrário, havendo à disposição da defesa de tais direitos diversos instrumentos jurídicos. Palavras-chave: Direito dos Animais, Sujeitos de Direito, Abolicionismo, Especismo. Abstract This work analyzes the relationship between man and animals, in order to present the different points of view regarding the status that these animals have within the law system, either as objects of rights, either as subjects of rights. For this purpose, it was investigated the legal evolution of this subject and the former court decisions, under the lights of historical facts and cultural heritage, besides the main theories involving animal rights. The conclusion of this study was that animals have certain fundamental rights, although some laws establish otherwise, and that many legal instruments are disposed to guarantee such rights. Key-words: Animal Rights, Subjects of Rights, Abolitionism, Speciesism. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. OS ANIMAIS E O HOMEM 1.1. Breve apanhado histórico 1.2. Teorias relacionadas ao tratamento dos animais pelos humanos 1.2.1. Utilitarismo 1.2.2. Bem-estarismo 1.2.3. Abolicionismo 2. OS ANIMAIS E O DIREITO 2.1. Visão clássica do Direito 2.2. Direito dos Animais 2.2.1. História e objetivos 2.2.2. Veganismo 2.3. A legislação brasileira e sua evolução 2.4. Animais em juízo 2.4.1. Tutela jurídica dos animais 2.4. 2.4.1.1. Tutela Cível 2.4.1.1.1. Ação Civil Pública 2.4.1.1.2. Ação Popular 2.4.1.1.3. Mandado de Segurança Coletivo 2.4.1.2. Tutela Penal 2.4.1.2.1. Ação Penal Pública 2.4.1.2.2. Habeas Corpus 2.4.1.3. Tutela Administrativa. 2.5. Direito Comparado 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPLORAÇÃO DOS ANIMAIS NOS DIAS DE HOJE 3.1. Exploração para o entretenimento 3.1.1. Rodeios 3.1.2. Farra do boi 3.1.3. Rinhas 3.2. Exploração animal e vivissecção 3.3. Tráfico de animais silvestres 3.4. Abandono de animais 3.5. Outras considerações CONCLUSÃO REFERÊNCIAS Introdução


Atualmente, é perceptível o crescente aumento da veiculação de notícias acerca dos animais na mídia brasileira. Praticamente toda semana tomamos ciência de algum ato cruel cometido contra animais domésticos ou mesmo contra os silvestres, principalmente no que tange ao tráfico ilegal.


A sobreposição dos interesses humanos sobre os animais, porém, não é uma novidade, tendo em vista que já faz alguns milhares de anos que o homem os utiliza a seu bel entendimento, seja para alimentar-se, vestir-se, transportar-se ou entreter-se. A sociedade global ainda está presa à comportamentos que resultam no sofrimento e descaso com os animais.


O que ocorre de diferente no presente é que a sociedade, de uma forma geral, não mais tolera o tratamento cruel contra os animais e nem sua impunidade. Se um dia a Espanha, por exemplo, era reconhecida por suas touradas, hoje o mundo e os próprios espanhóis repudiam esse evento, o que acabou por gerar a sua proibição em algumas de suas regiões autônomas. Paralelamente no Brasil, quando antes os animais não tinham praticamente nenhuma proteção dentro do Direito, hoje eles possuem expressa tutela constitucional.


Segundo a Constituição Federal, em seu art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.


Apesar de ainda tímida, a doutrina, legislação e jurisprudência brasileiras vêm abordando e garantindo alguns direitos aos animais, apesar de tais direitos ainda carecerem de eficácia e estarem respaldados em uma visão clássica do Direito, que trata os animais como meros bens sobre os quais incide a ação do homem, caracterizando uma relação enraizada no antropocentrismo.


Desta maneira, pretende o presente trabalho demonstrar, de forma simples e resumida, a interação do homem com os animais e seu reflexo no Direito, apresentando as concepções favoráveis e contra o enquadramento dos animais como sujeitos de direito.


1. OS ANIMAIS E O HOMEM


1.1. Breve apanhado histórico


A relação do homem com os animais não-humanos sempre existiu, tendo em vista que estamos e sempre estivemos inseridos na natureza, a qual, em sentido amplo, compreende o universo dos fenômenos físicos. Com o passar do tempo e de acordo com as conveniências humanas essa relação foi sendo modificada, de sorte a favorecer ou desfavorecer os animais.


Em um primeiro momento histórico, o homem primitivo se relacionava com os demais animais de forma meramente instintiva, de modo a exercer suas condutas apenas com o intuito de sobreviver.


Com o desenvolver da racionalidade humana e o paulatino desprendimento do comportamento essencialmente primitivo e selvagem, a nossa espécie, organizada em sociedade, passou a sobrepor seus interesses sobre as demais, principalmente com a criação doméstica de animais para a subsistência e escambo.


Ao exercer sua racionalidade sobre os animais, ou até quando do uso da força e de outras artimanhas sobre eles, o homem percebeu que não era difícil domá-los e fazer com que prestassem obediência e serviço. Tal fato culminou no pensamento de que os animais são inferiores, havendo uma hierarquia natural entre os seres, e assim sendo, poderia o homem fazer o que bem entendesse com os animais.


Algumas concepções religiosas também foram responsáveis pela sedimentação do entendimento da superioridade humana em relação aos demais animais perante Deus, afirmando que estes são seres brutos e desprovidos de alma e racionalidade, e, portanto, não merecedores do tratamento, sequer mínimo, que se dispensa aos homens.


Dessa forma, foram se firmando os ideais antropocêntricos, que colocam o homem no centro do universo e o faz crer que tudo que existe é para servi-lo. A influência dos pensadores gregos nesse sentido, como Aristóteles, foi tão forte que até hoje reina o entendimento de que os animais não têm interesse próprio, logo, não têm outra finalidade que não a de servir para benefício humano.


Com o desenvolvimento do Direito Romano e sua posterior difusão pelo mundo não foi diferente. Nesse contexto, o Direito, por ser criação do homem, existe tão só para protegê-lo, colocando os animais na posição de res, ou seja, coisa sobre a qual incide os interesses patrimoniais do homem e da sociedade. A partir desse ponto, o homem ficou legitimado a sobrepor seus interesses às demais espécies sem que ninguém pudesse intervir em tal direito.


Podemos citar como um dos pontos cruciais para a determinação dos animais como coisas a teoria cartesiana mecanicista da natureza animal criada pelo filósofo francês René Descartes no século XVII, que entendeu que os animais eram meras máquinas destituídas de qualquer racionalidade e sentimento, o que serviu de base para a prática de infindáveis abusos físicos e psicológicos contra os animais para fins científicos.


Também foi de grande influência o pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant, que considerava que os homens tinham obrigação somente perante eles mesmos, já que o homem seria o fim em si mesmo, ao passo que, sendo os animais um meio para o fim “homem”, a crueldade humana sobre os animais deveria ser evitada apenas porque isso beneficiaria a humanidade de uma maneira geral, e não porque os animais teriam direitos. Nesse último ponto, pensava de maneira semelhante o filósofo inglês John Locke.


Em oposição ao pensamento puramente antropocêntrico e à visão de que os animais não têm valor, podemos encontrar alguns pensadores. O filósofo Pitágoras entendia que os animais mereciam respeito de tal forma que até hoje alguns o consideram o pai do vegetarianismo. Também vegetarianos, Plutarco estudou a inteligência dos animais e a comparou à inteligência humana, enquanto Porfírio escreveu sobre a abstinência dos alimentos de origem animal e a inadequação da matança de seres vivos para a alimentação.


Segundo o filósofo francês Michel de Montaigne, que também defendia a teoria de que os animais possuem sentimentos e inteligência:


“(...) cumpre-nos ter certo respeito não somente pelos animais, mas também por tudo o que encerra vida e sentimento, inclusive árvores e plantas. Aos homens, devemos justiça; às demais criaturas capazes de lhes sentir os efeitos, solicitude e benevolência (...)”.[1]


Um grande crítico da teoria cartesiana dos “animais-máquina” foi Voltaire, que escreveu em sua obra Dicionário Filosófico[2] que animais, diferentemente do que entendia Descartes, obviamente possuem sentimentos, inclusive semelhantes aos sentimentos manifestados pelo homem, sendo incabível cometer práticas cruéis contra eles.


Também opositor da ideia de Descartes sobre os animais, Jean-Jacques Rousseau entendia que eles são capazes de pensar e de sentir, apenas sendo diferentes dos homens quanto à consciência de seus atos, já que os animais agiriam mais com instinto e o homem mais através da liberdade de escolha.


É interessante mencionar que Leonardo da Vinci, considerado como um dos maiores gênios da história, era vegetariano e produziu diversos estudos sobre os animais. Fato curioso dito sobre ele era seu hábito de comprar pássaros engaiolados para libertá-los posteriormente[3].


Porém, um dos mais valiosos estudos para a ciência, que veio a desmistificar a crença da superioridade humana e da insensibilidade e irracionalidade dos animais, foi feito por Charles Darwin no século XIX, com a publicação do livro A Origem das Espécies.


Tal estudo comprovou que o homem, assim como os demais animais, é consequência de um sucessivo processo evolutivo e não um produto sobrenatural criado pela vontade divina. Ou seja, uma seleção natural garante a sobrevivência dos mais fortes, gerando a evolução das espécies. Dessa forma, não haveria que se falar em superioridade entre espécies, confirmada ainda pela Teoria da Origem Comum Universal, que afirma terem todos os seres vivos um ancestral comum, podendo uma espécie ou outra compartilhar alguma porcentagem de DNA.


Acerca das convicções religiosas a favor dos animais podemos ainda apontar o Budismo, religião que surgiu aproximadamente entre os séculos IV e VI a.C. Segundo tal religião, todas as criaturas viventes são dignas de respeito e da vida, tendo o homem o dever de pautar suas condutas na compaixão com todos os seres, inclusive adotando uma dieta vegetariana.


Em que pese a atual sociedade global ser regida por valores ainda antropocêntricos, que colocam os animais numa posição frágil perante o homem, não se pode olvidar que ao longo dos séculos teorias mais protetivas acerca dos animais foram desenvolvidas, como o utilitarismo, o bem-estarismo e o abolicionismo, sendo este último o verdadeiro pilar do chamado Direito dos Animais, o qual se estudará mais adiante.


1.2. Teorias relacionadas ao tratamento dos animais pelos humanos

1.2.1. Utilitarismo


No século XVIII, os filósofos inglês John Stuart Mill e Jeremy Bentham desenvolveram a teoria moral conhecida como utilitarismo clássico. Tal teoria leva em consideração a capacidade do animal em sentir dor, assim como o homem. Tal capacidade para sentir dor e prazer é o que se chama de senciência.


Bentham, na época em que os franceses haviam acabado de libertar os escravos negros enquanto a Inglaterra ainda os escravizada, chegou a escrever este impactante texto:


“Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar?’, nem ‘São capazes de falar?’, mas, sim: ‘Eles são capazes de sofrer?”[4].


O utilitarismo, no entanto, ao tempo que reconhece a importância moral da capacidade de sentir dor dos animais, admite o uso dos mesmos para o benefício humano, se tal sofrimento trouxer mais benefícios para um maior número de seres.


Em outras palavras, tal teoria entende que, se em determinada situação a dor de um ser está em menor proporção em relação ao prazer de outro ou de outros seres, então as consequências dos atos envolvidos estariam legitimadas[5]. De forma exemplificativa podemos dizer que caso se induza dor a um animal para um experimento científico que venha a beneficiar muitas pessoas, então estaríamos diante de uma situação legítima.


Na atualidade, um dos grandes expoentes da corrente utilitarista é o filósofo australiano Peter Singer, que em 1975 publicou o livro Libertação Animal, trazendo à baila o princípio da igual consideração de interesses. Tal princípio preconiza que “os interesses de cada ser afetado por uma ação devem ser levados em conta e receber o mesmo peso que os interesses semelhantes de qualquer outro ser”[6].


Para Singer, a dor e o sofrimento são em si mesmos ruins, e devem ser evitados ou minimizados não importa a raça, o sexo ou a espécie do ser que sofre[7]. O sentimento de superioridade humano, que culmina na discriminação de outras espécies, é o que filósofo chama de especismo[8], em uma comparação à discriminação pela cor (racismo) ou sexo (sexismo).[9]


Contudo, para o filósofo, o fato da senciência dos animais ser levada em consideração não afasta o uso de animais e a implicação de sofrimento a eles na menor intensidade possível quando não há outro meio de beneficiar humanos, como no caso da experimentação científica em animais.


Resumidamente, o utilitarismo é a teoria que leva em consideração a capacidade dos animais em sentir dor e prazer, não sendo diferentes dos próprios humanos nesse sentido. Tal fato é moralmente importante de ser considerado quando humanos se relacionam com os animais. Contudo, é justificável a exploração animal, em sentido amplo, quando dela resulta benefício humano comprovado.


1.2.2. Bem-estarismo


O bem-estarismo é a corrente que leva em consideração o bem-estar animal no âmbito de sua exploração pelos humanos, exigindo um “tratamento humanitário” que reduza ou elimine qualquer tipo de crueldade.


Essa corrente considera a legitimação humana de sobrepor seus interesses sobre os animais para gerar benefícios para si, sem que tal sobreposição implique em sofrimentos desnecessários aos animais. Dessa forma, se assemelha à corrente utilitarista, mas difere desta por se ligar mais a um sentimento de piedade com os animais do que por questões racionais.


Enquanto o utilitarismo valoriza a igual consideração de interesses, o bem-estarismo não reconhece esse princípio, pois coloca os homens em uma posição hierarquicamente superior aos animais, reconhecendo apenas algumas concessões em seu benefício, com o único intuito de legitimar a atuação humana para que ela seja socialmente aceita, sem que os interesses dos animais possam vir a ser considerados em face de tal atuação[10]. Aqui, apenas é relevante não tratar os animais de forma cruel, pois isso não condiz com o sentimento de “compaixão”, o qual a sociedade entende ser importante.


Por ser uma teoria que sintetiza o interesse da maioria das pessoas e instituições em explorar animais para benefício humano sem contudo causar sofrimento injustificável a eles, o bem-estarismo predomina como base para a regulamentação normativa do uso de animais na maioria dos países, servindo como uma forma de manter interesses econômicos que atualmente sofrem pressões sociais no seu desenvolver.


Dita as diferenças entre o utilitarismo e o bem-estarismo, cumpre ressaltar que ambos coincidem no fato de não atribuírem direitos inerentes aos animais. O fato de tratá-los com certo respeito se dá mais pela convicção de que o homem é um ser racional e piedoso que é justo e generoso em livrar os animais de certos sofrimentos, do que pelo fato dos animais terem o direito natural à vida e integridade física e psicológica e, consequentemente, o direito a não sofrer.


1.2.3. Abolicionismo


A teoria abolicionista pode ser considerada a mais radical de todas no que tange à relação dos homens com os animais, já que busca a supressão de qualquer tipo de exploração animal, seja ela causadora ou não de sofrimento, pois reconhece que os animais possuem direitos naturais, inerentes à sua condição de ser vivo e senciente, tais como o direito à vida, liberdade e integridade.


Comparando o abolicionismo animal com a abolição à escravatura dos negros, entende-se que, assim como uma raça ou etnia não é melhor que a outra e, portanto, injustificável é a submissão forçada de uma pessoa devido à cor de sua pele, também injustificável é forçar a submissão de uma espécie aos interesses humanos pelo simples fato destes se considerarem uma espécie superior.


Como principais defensores do movimento abolicionista na atualidade temos os norte-americanos Tom Regan e Gary Lawrence Francione.


Francione afirma que os animais jamais serão de fato respeitados enquanto o homem estiver em uma posição de proprietário e o animal de propriedade[11], pois nesse contexto tais seres, comparados à coisas, estão em uma verdadeira posição de escravos, submetidos aos maus-tratos humanos.


O filósofo afirma que enquanto não se conferir legalmente personalidade aos animais, eles continuarão caracterizados como bens e como bens serão tratados[12], o que indiscutivelmente é incompatível com a natureza biológica desses seres que tanto se assemelham conosco.


Em seu livro The Animal Rights Debate[13], Francione critica as demais teorias, sustentando que os humanos não têm justificativa moral para usar os animais. Devido ao status destes como propriedade e a garantia legal de proteção contra a crueldade, um falso manto protetivo está constituído. Dessa forma, a verdade é que nenhuma proteção efetiva está sendo aplicada aos animais, e pior, uma sensação de conforto toma conta da sociedade no momento da exploração.


Para Francione, os animais têm direito de não serem tratados como coisas, assim afirmando:


“Nós já aceitamos que, por meio de nossa aprovação do princípio do tratamento humanitário, animais são pessoas e não meramente coisas. Isto é, rejeitamos as visões pelas quais não possuiríamos deveres morais diretos para com animais, e sustentamos que animais têm interesses relevantes. No entanto, se realmente acreditamos nisso, então somos obrigados a aplicar o princípio da igual consideração para os animais e rejeitar seu status de propriedade. Devemos abolir, e não meramente regular nosso uso e exploração dos animais, e não mais utilizar ou criá-los para alimentação, entretenimento, esportes, vestuário, experimentos ou para testes de produtos. A vasta maioria dos conflitos homem/animal se evaporará porque eles são conflitos falsos que fabricamos do fato de que tratamos animais como recursos econômicos”[14].


Tom Regan, por sua vez, em seu livro The Case for Animal Rights, criou o argumento de que animais são “sujeitos-de-uma-vida” e por isso possuem “valor inerente”. Segundo ele:


“(…) indivíduos são sujeitos-de-uma-vida se possuírem crenças e desejos; percepção, memória, e um senso de futuro, incluindo seu próprio futuro; vida emocional marcada por sentimentos de prazer e dor; preferências e interesses de bem-estar; habilidade de iniciar ações para a obtenção de seus desejos e metas; identidade psicológica ao longo do tempo, e bem-estar individual no sentido de que as experiências vividas conduzem a melhorar ou a piorar sua qualidade de vida, independente de sua utilidade para os outros (…)”[15].


O filósofo americano afirma que não podemos dizer que um homem tem menos direito à vida do que outro, já que todos temos os mesmos direitos, assim como não podemos dizer que os animais têm menor direito à vida[16]. De uma forma geral, Regan ensina que os animais também têm interesse em se manterem vivos e íntegros, devendo ter esse interesse respeitado.


Em suma, os abolicionistas defendem que os animais, assim como nós, desejam viver, ter sua integridade preservada, estar em seu habitat natural, procriar, migrar, estar livres para fazer suas escolhas e viver a vida que lhes é natural. Sendo assim, eles têm direitos que devem ser respeitados pelo homem, já que este não lhes é superior.


2. OS ANIMAIS E O DIREITO

2.1. Visão clássica do Direito


A visão clássica do Direito, ainda predominante no Brasil e em diversos outros países, herdou do Direito Romano a classificação dos animais como objetos de direito, ou seja, bens sobre os quais o homem exerce a posse. Sendo o animal tratado como propriedade, caso venha a ser lesado, ele será o objeto material da infração e não a vítima em si, que no caso será seu proprietário.


Podemos claramente visualizar esse tratamento que “coisifica” os animais através do nosso Código Civil atual, que em seus artigos[17] os descrevem como objetos de penhor, passíveis de possuírem vícios ocultos, e cujas crias pertencem ao usufrutuário.


A doutrina civilista descreve os animais como bens semoventes, ou seja, aqueles que se movem de um lugar para o outro por movimento próprio[18]. Nessa perspectiva, sendo o animal a coisa principal, seus frutos, como por exemplo o bezerro nascido da vaca, serão também de propriedade do dono de tal coisa[19].


Segundo descreve De Plácido e Silva[20]:


“ANIMAL. Em sentido restrito e na linguagem do direito, animal se entende todo ente vivente irracional, sobre o qual o homem tenha ou possa ter império. Tecnicamente, diz-se também semovente. Quando em poder do homem, o animal se constitui como bem seu, e assim dele pode dispor, vendê-lo, dá-lo ou trocá-lo, desde que tenha qualidade e capacidade para alienar bens que lhe pertençam”.[21]


Tendo então natureza de objeto, o Direito afastou os animais de uma proteção efetiva, ainda que lhe tenha conferido alguns direitos. Tal concessão de direitos, porém, visa em grande parte beneficiar indiretamente o homem, como será explicado mais a diante. Logo, a classificação que impera em nosso ordenamento é que os animais são objetos de direito e não sujeitos de direito.


Sob o ponto de vista jurídico, sujeito de direito é o ser ou ente com capacidade de ser titular de direitos e deveres. O sujeito pode ser pessoa natural ou física, se homem, e jurídica, se ente moral[22]. Sujeito de direito é, então, aquele com aptidão para ser titular de direitos e para assumir obrigações[23].


O entendimento de que o homem é sujeito de direito advém de que o Direito, criação humanística, existe para regular tão somente as relações entre homens, com o fito de lhes conferir proteção[24].


Para Paulo Nader, “o permanente objetivo do Direito, em suas manifestações diversas, é o ser humano. As relações que define envolvem apenas os interesses e os valores necessários ao ente dotado de razão e vontade”[25].


Porém, há pouco tempo atrás nem todo o homem era sujeito de direito. Os escravos, por exemplo, desde a antiga sociedade romana não possuíam nenhuma proteção legislativa. Houve um tempo, inclusive, em que se chegou a afirmar que negros não possuíam sequer alma, muito menos direitos.


De maneira não tão diferente, até poucas décadas atrás as mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens. Direitos políticos lhes eram negados sob o argumento de que mulheres eram inferiores aos homens, o que as colocava em uma posição frágil e de desvantagem.


É inegável que o Direito se desenvolve de acordo com os valores culturais de determinada época. Tanto é que antigamente, como mencionado acima, negros e mulheres possuíam uma posição jurídica altamente fragilizada e baseada meramente em valores culturais. Com o passar do tempo a cultura mudou, e assim seguiu, consequentemente, o Direito.


Sendo o Direito um fenômeno cultural, nota-se que quando o poder legislativo cria leis, o poder executivo lhes dá executoriedade e o judiciário lhes garante a aplicação, tais poderes se pautam no que é socialmente aceitável, e o que é socialmente aceitável geralmente é o que a cultura daquele país estabelece.


Segundo Heron Santana: “Direito é uma ciência cultural decorrente da construção dinâmica e constante da sociedade sobre seus anseios e angústias atribuídas pelos riscos e efeitos das condutas das pessoas em seu tempo.[26]


Dito isto, percebemos que a exploração animal faz parte da cultura brasileira e, portanto, é naturalmente aceitável pela sociedade. Tanto é que o nosso arcabouço legislativo possui normas que regulamentam tal exploração e protegem o proprietário pelos danos sofridos pelo animal.


Os animais, pelo simples fato de não poderem contrair obrigações, são afastados da proteção jurídica. Verdade é que as normas que protegem os animais hoje em dia são quase todas antropocêntricas, visando mais proteger indiretamente o homem na manutenção de sua sobrevivência do que proteger os animais.


Importante para esclarecer essa questão é o entendimento do ilustríssimo professor Miguel Reale:


“Todo homem, mas tão-somente o homem, é capaz de direitos e obrigações. Não pode ser sujeito de direitos uma coisa, nem tampouco um animal irracional. (...) Mas se assim é, como se explicam os dispositivos legais que protegem os animais irracionais e as plantas? Há uma Sociedade Protetora dos Animais e, toda a vez que um indivíduo esteja mostrando a perversidade de seus instintos, causando sofrimentos a um animal, poderá ser processado. Com isso não se estaria reconhecendo, de certa forma, o direito do animal à própria vida ou integridade? Não. Na realidade, quando se protege um animal, não se lhe reconhece um direito, mas apenas se respeitam os valores de afetividade, de "bons sentimentos" que é um apanágio dos homens civilizados. A proteção dispendida aos animais visa, desse modo, à salvaguarda de certos princípios de ordem moral sem os quais os homens se reduziriam aos próprios irracionais[27]”.


Diante de tal afirmação fica fácil entender a posição dos animais no sistema jurídico e o por quê se concede certos direitos a eles. A proteção existe na medida em que é benéfica ao homem, sendo também uma manifestação de certa compaixão, e não uma obrigação perante um direito alheio.


Uma das correntes que define os direitos do homem é a jusnaturalista, a qual explica que tais direitos correspondem às faculdades exercidas naturalmente pelo homem, ou seja, atributos inerentes à sua condição humana. Sendo assim, caberia ao Estado apenas reconhecer e sancionar tais direitos para protegê-los[28].


Conforme o art. 6º, I, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, e ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.


Segundo a definição dada por De Plácido e Silva[29]:


“Direto Natural, ou seja, o conjunto de regras que regulam a vida animal, e que são inatas e provindas do próprio instinto, tais como as regras que regulam a união do macho e da fêmea, a procriação e a educação dos filhos, o direito de defesa contra o ataque”.


Nesse sentido, podemos concluir que o Direito Natural é inerente à condição de animal em sentido amplo, abarcando o direito de se manter vivo e íntegro e em condições dignas e compatíveis com as suas particularidades.


Ocorre que o jusnaturalismo veio trazer essa concepção apenas para proteger os animais humanos, conferindo a eles certos direitos naturais que, na verdade, são compartilhados por todos os animais.


No nosso sistema jurídico os humanos, as pessoas jurídicas e os entes despersonalizados são sujeitos de direito, porém, os animais não o são, e muito dessa concepção se dá pelo fato de que os animais não são capazes de estar em juízo para defender seus interesses e de serem incapazes de contrair obrigações.


Porém, nem todos os sujeitos de direito são capazes de estar em juízo ou mesmo de contrair obrigações, como é o caso dos absolutamente incapazes, que têm seus direitos garantidos na figura de um representante legal, segundo nosso Código Civil.


Com base em tal afirmação, alguns doutrinadores, como se mostrará em seguida, vêm defendendo o enquadramento dos animais como sujeitos de direito, devido ao fato dos mesmos terem certos direitos garantidos pela Constituição Federal e por leis, cabendo à sociedade o dever de protegê-los e, ainda, a alguns legitimados de irem a juízo em defesa de tais direitos.


Para a professora e defensora dos direitos dos animais, Edna Cardozo:


“O fato de o homem ser juridicamente capaz de assumir deveres em contraposição a seus direitos, e inclusive de possuir deveres em relação aos animais, não pode servir de argumento para negar que os animais possam ser sujeitos de direito. É justamente o fato dos animais serem objeto de nossos deveres que os fazem sujeitos de direito, que devem ser tutelados pelos homens”[30].


Contudo, se alguns doutrinadores brasileiros defendem esse enquadramento dos animais como sujeitos de direito, outros doutrinadores do Direito Ambiental não reconhecem tal posicionamento, defendendo o ponto de vista antropocêntrico de que os animais têm importância apenas para a preservação do equilíbrio ecológico que afeta a vida do ser humano.


Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo[31], a natureza jurídica dos animais não é a de sujeitos de direito, ainda que se dê proteção constitucional e legislativa a eles. Tal proteção existe por meio de uma uma via reflexa, que visa principalmente anteder as necessidades humanas, sendo os animais considerados como bens ou recursos ambientais.


Para Paulo de Bessa Antunes[32], a ordem jurídica brasileira tem como seu centro o indivíduo humano. Segundo ele, quando o art. 225 da Constituição menciona que “todos” têm direito (...), ele não estaria se referindo a qualquer ser vivo, mas aos homens, com a finalidade de proteger sua dignidade em ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dessa forma, a proteção dos animais nesse artigo seria uma mera consequência da proteção da dignidade humana.


Portanto, nota-se que a visão clássica do Direito, sob o manto antropocentrista, trata os animais como meros bens, ora de propriedade privada, como os animais domésticos[33], ora de propriedade de todos, como os animais silvestres[34]. A defesa dos animais, de maneira geral, não está ligada a um valor inerente a eles, mas ao benefício que eles podem trazer para o homem, de acordo com seus interesses e conveniências.


2.2. Direito dos Animais

2.2.1. História e objetivos


Segundo Norm Phelps: “O movimento pelos Direitos dos Animais é o único movimento social da história cujos beneficiários não podem dele participar, e cujos participantes não podem dele se beneficiar”[35].


A história dos Direitos dos Animais teve início em 1882 na Inglaterra, com a publicação do British Cruelty to Animal Act, que ditava normas contra a crueldade com os animais. Em 1911, outro diploma nesse sentido foi produzido pela Inglaterra, era o Protection Animal Act[36].


A partir disso, diversas normas jurídicas foram sendo elaboradas ao redor do mundo com a finalidade de proteger os animais de tratamentos cruéis, inclusive no Brasil, que em 1924 editou o Decreto nº 16.590, conforme se estudará em seguida.


Contudo, foi no ano de 1978 que foi editado o diploma mais protetivo e abrangente sobre proteção animal, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (DUDA), da qual o Brasil, entre diversos outros países, é signatário. Porém, até o presente momento nosso país não ratificou tal Declaração.


A DUDA foi proclama pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 27 de janeiro de 1978 em Bruxelas, e traz em seu preâmbulo que todo animal possui direitos que devem ser respeitados pelo homem para que todos coexistam com respeito, sendo fundamental a educação desde a infância sobre os valores de respeito e amor aos animais.


Em seus quatorze artigos[37], a Declaração atribui aos animais o direito à vida, ao respeito, à não exploração, à atenção, cuidados e proteção do homem, a não serem mau tratados ou submetidos à atos cruéis, à liberdade e permanência em seu habitat natural, entre outros.


Contudo, apesar do texto considerar que animais são sujeitos de direitos em seu artigo primeiro, o texto é criticado por alguns defensores dos Direitos dos Animais, pois admite certas concessões aos direitos que defende, como a morte necessária (art. 3º), o trabalho animal (art. 7º), a experimentação (art. 8º) e o abate (art. 9º).


O referido texto também carece de efetividade, ao passo que não possui força de lei. Trata-se de um diploma internacional não ratificado pelo Brasil, que tampouco possui forma de tratado e que não estabelece qualquer sanção ao infrator de seus dispositivos, fazendo com que lhe falte poder coercitivo. Dentro do Direito dos Animais ele funciona como uma carta de princípios morais, figurando fonte indireta para a aplicação da lei[38].


Ainda que com falhas, ao nos basearmos na DUDA podemos concluir que os animais possuem direitos naturais, inerentes à sua condição de animais, independentemente se humanos ou não, se doméstico ou selvagem, pois todos são seres vivos e sencientes que têm pelo menos um objetivo em comum: o de viver com dignidade dentro daquilo que lhes é natural e de acordo com as peculiaridades de sua espécie. Não podemos, então, falar em Direito dos Animais se ao final de tudo morte e exploração é o que se concretiza.


Ao afirmarmos por convicção própria e também com respaldo jurídico que a vida é o direito mais importante e precioso do homem, não podemos afirmar que seres viventes e sencientes não tenham o mesmo interesse, e portanto, o mesmo direito de viver. É isso que busca afirmar os Direitos dos Animais, visando o reconhecimento de que animais têm direitos inerentes que devem ser protegidos, ainda que o homem não os reconheça em suas leis. Em síntese, a espécie da qual se pertence não deve servir de motivo para conferir direitos em detrimento de outras espécies.


O Direito nos dá a possibilidade de fazer tudo aquilo que não nos é proibido por ele, desde que não lesionemos o direito alheio, isto é, o direito de um vai até onde começa o direito do outro. Só há que se falar no detrimento de um direito em favor de outro direito quando há conflitos entre eles, momento em que se deve fazer uma ponderação usando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para avaliar qual direito, em tal situação, atingirá mais eficazmente seus efeitos e, portanto, deve prevalecer.


O movimento do Direitos dos Animais vem, então, assumir que animais são sujeitos de direitos, dada a concepção do Direito Natural e também a força das normas jurídicas que os protegem.


Cabe ressaltar, ainda, que a lei resguarda o direito dos incapazes, atribuindo a figura dos representantes legais para agirem em seu nome, seja em juízo ou fora dele. Ora, se os incapazes são sujeitos de direitos que não possuem condição de assumirem obrigações e que estão protegidos pela figura de representantes para agirem em seu interesse, ainda que não tenham noção de que possuem tais interesses, não se pode negar a mesma proteção aos animais, que pela força do art. 225/CF também possuem proteção e representatividade.


Mais ainda, não é razoável comparar animais a coisas. Coisas são objetos de propriedade de alguém, e esse alguém está legitimado, por possuir tal condição de proprietário, a fazer o que bem entender com tal coisa. Isso significa que ele pode vender, trocar, destruir e se desfazer sem que ninguém possa se insurgir contra isso. Se animais fossem coisas seus proprietários poderiam fazer tudo que se pode fazer com coisas. Contudo, um mínimo de reflexão nos faz naturalmente crer que isso não seria certo, já que animais são seres vivos e sencientes, que demonstram sentimentos de dor, alegria, ansiedade e medo. Ora, objetos não possuem sentimentos.


Não é difícil explicar isso para pessoas que possuem animais de estimação ou que de alguma outra forma convivem com animais. Os animais têm memória e possuem sentimentos que não são exclusivos dos humanos, como afeto, medo, felicidade, estresse, tédio e ansiedade. Dificilmente uma pessoa que possui um cão dirá que este não possui sentimentos ou direitos.


Para que haja uma efetiva mudança na condição jurídica dos animais todas as esferas sociais e jurídicas devem colaborar para a quebra desse paradigma que legitima a sua exploração. A união do judiciário, Ministério Público, legislativo, advogados, estudantes, instituições de ensino, pensadores, veículos de comunicação, ONGs e população como um todo é de suma importância.


Cabe, mais uma vez, reproduzir o ensinamento de Edna Cardozo:


“Para reconhecermos os direitos dos animais temos que repensar muitas coisas e mudar nossas relações com o ambiente. O movimento de libertação dos animais exigirá um altruísmo maior que qualquer outro, o feminismo, o racismo, já que os animais não podem exigir a própria libertação. Como seres mais conscientes temos o dever não só de respeitar todas as formas de vida, como o de tomar as providências para evitar o sofrimento de outros seres”[39].


Mundialmente, a questão dos animais como titulares de direitos vem ganhando a cada ano mais espaço para discussão, principalmente nos campos do Direito e da Filosofia. Os EUA se sobressaem com a produção de conhecimento sobre o tema e com o número de universidades que oferecem o curso de Direito dos Animais, aproximadamente 138 em 2012[40], dentre as quais se destacam Harvard, Columbia, UCLA e NYU.


Outras universidades ao redor do mundo também oferecem cursos de Direito dos Animais, como a Universidade de Quebec no Canadá, as Universidades de Leeds, Kingston e de Aberdeen no Reino Unido, na Austrália as Universidades de Camberra, Melbourne e Sydney, na Áustria a Universidade de Viena, e na Espanha a Universitad Autonòma de Barcelona, primeira a instituir uma pós-graduação sobre o tema.


No Brasil a discussão, apesar de recente, vem ganhando força com a publicação de livros, artigos, dissertações e teses, e com a realização de congressos e palestras, além do oferecimento do curso de Direito dos Animais em algumas universidades, como a UNIRIO. Na Universidade Estácio de Sá o tema é uma das linhas de pesquisa do mestrado e doutorado oferecidos pela instituição. O núcleo de prática jurídica das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA) também oferece assistência às questões ligadas aos animais. Outras grandes universidades brasileiras que possuem centros de estudos dirigidos aos Direitos dos Animais são a UFBA e a UFRJ, esta última contando com a coordenação do professor Dr. Fábio Corrêa Souza de Oliveira, um dos maiores militantes do assunto.


No Ministério Público também contamos com a importante militância de alguns de seus membros na defesa dos animais, como os promotores Heron José de Santana Gordilho, do Ministério Público da Bahia, e Laerte Fernando Levai, do Ministério Público de São Paulo, ambos autores de livros nesse campo.



2.2.2. Veganismo


Um dos seguimentos mais fortes do movimento pelos Direitos dos Animais utiliza o veganismo como forma de defesa de tais direitos. Pode-se entender o veganismo como uma verdadeira filosofia de vida que prega o abolicionismo animal e que se comporta como uma desobediência civil contra a sua exploração.


O veganismo prega uma alimentação totalmente isenta de produtos animais, como a carne, o leite e seus derivados, os ovos e o mel. Ainda que para alguns isso pareça impossível do ponto de vista nutricional, diversas pesquisas apontam esse tipo de alimentação como possível e muito saudável se bem planejada, já que no reino vegetal encontramos todos os nutrientes de que precisamos, reduzindo as chances de doenças cardíacas, o aumento de colesterol, entre outros.[41] Também é contra o uso de qualquer produto de origem animal para a vestimenta humana, como o couro, lã, seda, peles, penas, ossos e pérolas.


E vai além, segundo o veganismo, devemos procurar conhecer as empresas que testam seus produtos em animais com o fim de boicotá-las, fazendo uso de produtos que não tenham sido resultado de experimentos científicos envolvendo animais, até porque o desenvolvimento da ciência já demonstrou alternativas à experimentação animal.


Tal filosofia conclui que os homens continuam a comer e explorar os animais por pura conveniência, prazer, hábito, tradição ou cultura, e principalmente porque a exploração animal é altamente lucrativa. O paradigma atual é que os animais existem para satisfazer as necessidades e os desejos humanos, e é isso que o veganismo, inserido nos Direitos dos Animais, vem buscando quebrar.


Nesse sentido, não haveria que se falar em sobrevivência ou necessidade de se explorar os animais, pois existem alternativas que põem fim a qualquer tipo de exploração. Logo, não seria justo privar os animais da vida, da liberdade, de poderem migrar, voar, correr, procriar e terem contato com a natureza e a luz do sol se isso não é verdadeiramente necessário para os humanos.


Segundo o ensinamento do grande filósofo León Tolstói:


“Um homem pode viver uma vida saudável sem ter que matar animais para comer; portanto, se ele come carne, participa do ato de tirar a vida de uma criatura meramente para saciar seu apetite. E agir dessa maneira é imoral.”


A cada ano o veganismo ganha mais adeptos ao redor do mundo e com isso aumenta a pressão social por parte dos veganos para que as empresas deixem de testar em animais. Tão forte é essa pressão que já podemos reparar que no Brasil diversas embalagens de produtos trazem claramente a informação de que ele não foi testado em animais ou que é isento de ingredientes de origem animal.


Interessante apontar que o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul tomou a frente em defesa dos direitos clamados pelo veganismo e elaborou a Recomendação nº 16 de 2011[42] à ANVISA para “assegurar que em todo e qualquer produto cosmético comercializado em território brasileiro, e cuja cadeia integral de produção não envolva testes em animais, conste a expressão “não testado em animais” ou dizer semelhante, revendo-se, caso necessário, os regulamentos vigentes; e garantir que em todo e qualquer produto alimentício comercializado em território brasileiro, especialmente os industrializados, e cuja composição não contenha nenhuma espécie de produto ou ingrediente de origem animal, conste a expressão “sem nenhum componente de origem animal” ou dizer semelhante, revendo-se, caso necessário, os regulamentos vigentes”.


2.3. A legislação brasileira e sua evolução


A primeira norma que conferiu proteção aos animais em âmbito nacional foi o Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924, que regulamentava as Casas de Diversões Públicas, e cujo art. 5º vedava a concessão de licenças para “corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais”[43].


Em seguida, foi editado em 10 de julho de 1934, sob o Governo Provisório do presidente Getúlio Vargas, o Decreto nº 24.645, uma das normas mais protetivas criadas para os animais no Brasil.


Tal regulamento atribuiu ao Estado a tutela dos animais e ao Ministério Público, seus substitutos legais e membros das sociedades protetoras dos animais a incumbência de representá-los em juízo, apresentando um novo status quo para os animais, o de sujeitos de direitos[44]. Além disso, indicou a pena de multa e prisão nos casos de infração aos mandamentos do Decreto, fosse o infrator proprietário ou não daquele animal.


Em seu art. 3º, trinta e um incisos delinearam condutas consideradas como maus tratos, sendo interessante ressaltar as de manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças; golpear, ferir ou mutilar; abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário, parar consumo ou não; abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado; fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas contínuas sem lhe dar água e alimento; conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento; transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças; encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente; ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; engordar aves mecanicamente; despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros; ministrar ensino a animais com maus tratos físicos; realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias.


Com exceção feita ao sistema de penas descritos neste Decreto, não há que se falar em sua revogação expressa ou tácita. Isso porque sua natureza de lei exige que outra lei o inviabilize, e isso até hoje não ocorreu[45].


Posteriormente, com a edição da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941), a crueldade contra os animais e sua submissão ao trabalho excessivo passaram a ser tipificadas como contravenção penal, segundo o art. 64, com pena de prisão e multa. Contudo, com a criação da Lei de Crimes Ambientais em 1998 tal dispositivo foi revogado.


Em 20 de outubro de 1946 foi promulgado o Código da Caça, que aprovava e regulamentava a caça, inclusive de animais domésticos que por abandono tivessem se tornado selvagens. Porém, em 3 de janeiro de 1967 foi promulgada a Lei de Proteção à Fauna nº 5.197, que substituiu esse Código, tornando a caça profissional um crime, mas admitindo a caça esportiva.


Já no fim da década de setenta, em 8 de maio de 1979, a Lei nº 6.638 veio estabelecer as normas de uma das mais cruéis práticas, a vivissecção[46] em animais. Contudo, tal lei foi substituída em 8 de outubro de 2008 pela Lei nº 11.794, que regulamenta o art. 225, § 1º, VII/CF, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais.


No dia 31 de agosto de 1981 foi editada a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente nº 6.938. O referido diploma visa estabelecer garantias de que o meio ambiente, nele incluída a fauna, será preservado e protegido, sendo penalizado aquele que o lesionar. Além disso, o texto impõe ao Estado a obrigação protetiva, independentemente de suas prioridades políticas[47].


Os jardins zoológicos, por sua vez, foram regulamentados com a edição da Lei nº 7.173 de 14 de dezembro de 1983, para atender finalidades socioculturais e objetivos científicos, colecionando animais silvestres vivos em cativeiro ou em semiliberdade, com exposição ao público.


Eis que em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição Federal, que trouxe pela primeira vez no âmbito constitucional a proteção à fauna, ao discorrer: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”


Após a proteção dada aos animais pela Constituição de 1988, a maioria dos estados[48] passou a contemplar em suas respectivas constituições a mesma proteção, assim como também o fizeram diversos municípios em suas leis orgânicas.


Ainda que hajam críticas no sentido de que a proteção ao meio ambiente em geral, implementada na Constituição, tenha cunho puramente antropocêntrico por ser a sua finalidade direta a proteção aos homens e não à natureza, onde esta estaria sendo protegida por via reflexa, é inegável a importância de tal dispositivo constitucional na defesa dos animais, principalmente no que tange as práticas cruéis cometidas contra eles.


Dessa forma, podemos concluir que a Constituição reconheceu aos animais sua capacidade de sofrer como motivo para lhes garantir uma maior proteção. Nesse sentido, cumpre transcrever as palavras do Ministro Humberto Martins em julgamento de Recurso especial no ano de 2009: "A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade de equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que são dotados de estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor”[49].


Dez anos depois veio a importante Lei de Crimes Ambientais nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que em seu Capítulo V, Seção I, tipificou algumas condutas como crimes contra a fauna. Conforme seu texto, são considerados crimes os maus-tratos, a crueldade e matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, entre outros.


Tal Lei foi de suma importância para a eficácia da proteção legal aos animais já conferida pela Constituição, ainda que tais crimes sejam considerados de menor potencial ofensivo, por terem pena máxima de um ano de detenção, com julgamento de competência do juizado especial criminal.


Cumpre mencionar que em notícia[50] recentemente veiculada através do sítio do Superior Tribunal de Justiça, estamos um passo a mais da efetivação dos direitos dos animais com a reforma do Código Penal que está sendo elaborada. Com o novo Código, o abandono de animais será criminalizado e os maus-tratos terão pena quatro vezes maior que a atual, sendo elevada a até seis anos de prisão, caso resulte em morte do animal, o que tira o caráter de menor potencial ofensivo que atualmente possui.


De acordo com o informado em tal notícia, o tema dos crimes contra os animais foi o que mais mobilizou a população a contribuir com os juristas por meio de sugestões através dos canais oferecidos pelo Senado, o que vem a confirmar o quão urgente é a questão dos Direitos dos Animais e como determinadas condutas já não são mais socialmente aceitas.


No dia 18 de julho de 2000 a Lei nº 9.985 veio também regulamentar o art. 225/CF, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, que, entre outros objetivos, instituiu o chamado Refúgio de Vida Silvestre, para a proteção de ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência e reprodução de espécies da fauna residente ou migratória, sendo proibida a caça em tais localidades.


Em momento posterior, no dia 17 de julho de 2002, a Lei nº 10.519 veio dispor sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeios. Segundo esse diploma, a entidade promotora do rodeio deverá garantir a presença de um médico veterinário habilitado para garantir a boa condição física e sanitária dos animais.


Além disso, deve a entidade garantir o transporte, acomodação e alimentação adequados aos animais, ficando vedada a utilização de qualquer apetrecho que cause injúrias e ferimentos a eles, como esporas com rosetas pontiagudas e choques elétricos.


Como mencionado anteriormente, em 8 de outubro de 2008 foi editada a Lei nº 11.794, que regulamenta o art. 225, § 1º, VII/CF, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais, que, para fins educacionais, fica restrito a estabelecimentos de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.


Criou-se, através desta Lei, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), que tem, entre outras atribuições, o dever de formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com a finalidade de ensino e pesquisa científica. Tal Conselho foi regulamento posteriormente com a edição do Decreto nº 6.899 de 15 de julho de 2009.


Importante ressaltar que houve a promulgação por alguns estados brasileiros de códigos de proteção aos animais, que no Rio de Janeiro, por exemplo, é representado na figura da Lei nº 3.900 de 19 de julho de 2002.


Essa norma discorre em seu art. 2º: “É vedado: I – ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; III – obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força; IV – não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; V – exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal; VI – enclausurar animais com outros que o molestem ou aterrorizem; VII – sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde – OMS, nos programas de profilaxia da raiva.”


De forma geral, apesar dos animais serem protegidos por determinadas normas legais que lhes conferem alguns direitos e do dever de tutela pelo Estado e o de representação pelo Ministério Público e outros, os animais, sob o ponto de vista jurídico atual, são divididos em duas categorias: bens de propriedade privada e recursos ambientais, sendo estes bens difusos.


A primeira categoria é extraída do tratamento civilista brasileiro influenciado pelo antigo Direito Civil Romano, que define os animais como bens sobre os quais incide a posse e propriedade humanas. Nesse caso, temos a figura do animal doméstico.


O novo Código de Civil de 2002 herdou alguns dispositivos do Código Civil de 1916[51], que já classificava os animais como bens, sendo possível, inclusive, a sua penhora e o usufruto de suas crias. Porém, diferentemente do atual, o antigo Código abordava a caça e a pesca, além da apropriação de animais bravios ou domésticos não assinalados que tivessem se perdido.


Ademais, vale mencionar que o nosso Código Penal atual também trata os animais como bens, sendo eles mero objeto da infração penal e não a vítima do delito[52].


A segunda categoria advém principalmente dos termos da Constituição Federal, que conceitua a fauna como bem de uso comum do povo, caracterizando-a como bem difuso[53], já que inserida no âmbito do meio ambiente. Aqui entra a figura dos animais silvestres em ambiente natural, assim como os exóticos, que são aqueles originários de outros países[54].


Conforme o entendimento de Sirvinkas:


“a fauna é um bem ambiental e integra o meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da CF. Trata-se de bem difuso. Esse bem não é público nem privado. É de uso comum do povo. A fauna pertence à coletividade. É bem que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações”[55].


2.4. Animais em juízo

2.4.1. Tutela jurídica dos animais


Os animais, ainda que incapazes de comparecer em juízo para postular direitos, têm garantido o direito de serem representados por determinadas instituições perante o judiciário, sempre que as leis que os protegem forem violadas.


Desde o Decreto nº 24.645/34 os animais devem ser assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e membros das sociedades protetoras de animais (art. 2º, § 3º). Cabe relembrar que tal Decreto não foi revogado, porquanto permanece parcialmente eficaz.


Também na Lei nº 6.938/81 o Ministério Público está incumbido de propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente (art. 14, § 1º, in fine).


Passamos então a ver tal legitimidade também assegurada pela Constituição Federal de 1988. Segundo o caput do art. 225/CF, o Poder Público e a coletividade têm o dever de defender o meio ambiente, no qual se insere a figura dos animais. Com isso, a Constituição atribuiu alguns instrumentos a determinadas pessoas para que tal defesa possa ser efetivada.


A Carta Magna assegura como um dos direitos individuais e coletivos, em seu art. 5º, LXXIII, que qualquer cidadão poderá propor ação popular para anular ato lesivo ao meio ambiente. Através dos inciso LXIX, LXX e LXXI do mesmo artigo, o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção também poderão ser usados a favor dos animais, como veremos mais a frente.


Além dessa previsão, a Carta disciplina em seu art. 129, III, que uma das funções institucionais do Ministério Público é a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente.


A Lei de Crimes Ambientais de 1998 também indica a legitimidade do Ministério Público na defesa do meio ambiente e dos animais, ao prever em seu art. 26 que nas infrações penais previstas nesta Lei a ação penal é pública incondicionada e, portanto, por força do art. 129, I/CF é ação privativa de tal instituição.


Desta forma, fica claro a possibilidade da representação dos direitos dos animais em juízo, o que, para alguns doutrinadores do Direito dos Animais, é o pressuposto para o enquadramento dos mesmos como sujeitos de direito.


Conforme o valiosíssimo ensinamento da professora Edna Cardozo:


“O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas”[56].


Também na mesma linha de pensamento, Danielle Rodrigues entende como superada a visão antropocêntrica clássica de que animais são objetos e não sujeitos de direitos, e cita: “assim, é inconcebível entender que um animal não é objeto de tutela pela ordem jurídica. No crime de maus-tratos a animais, certamente o animal é o sujeito de direito”[57].


De fato, há de se questionar a posição assumida pela visão clássica do Direito, ao mínimo para reconhecer que objetos eles não são. Ainda segundo Danielle Rodrigues:


“Se ora o Animal é tratado como propriedade e ora como detentor de direitos, inquestionavelmente há um dissenso quanto ao seu “enquadramento” legal, necessitando, para a correção da incerteza, que gera insegurança jurídica no seio social, que se assentem as considerações jurídicas sobre a fauna, para qualificá-la, em toda extensão ou em determinada medida como sujeitos de direito”[58].


2.4.1.1. Tutela Cível


Como explicado acima, os diplomas constitucional e legal garantem o uso de determinados institutos para a tutela dos direitos garantidos aos animais. No âmbito civil, podemos citar três: a ação civil pública, a ação popular e o mandado de segurança coletivo.


2.4.1.1.1. Ação Civil Pública


Segundo o art. 129, III/CF, incumbe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente, incluídos aqui, por força do art. 225/CF, os animais.


A ação civil pública é regulada pela Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, e tem sido bastante utilizada atualmente para a defesa dos animais, como na proibição de rodeios e vaquejadas, onde se presume o perigo de dano aos animais.


Esse instituto pode ser proposto, sem prejuízo da ação popular, sempre que sejam causados danos morais e patrimoniais ao meio ambiente, no foro do local onde ocorrer tal dano, e terá por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sendo possível também seu ajuizamento cautelar que objetive evitar o dano.


Os legitimados para propor a ação civil pública são: o Ministério Público, a Defensoria Pública, os entes federativos, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, e a associação que esteja constituída há pelo menos um ano e que tenha entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, entre outras.


No entanto, é importante frisar que qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público em propor a ação civil pública, ministrando-lhe informações sobre os fatos que constituam o objeto de tal ação e indicando-lhe os elementos de convicção.


Segundo preceitua esta Lei, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica.


O juiz poderá também cominar multa diária, se esta for suficiente ou compatível, até que satisfaça a determinação da sentença. Os valores pagos serão, então, aplicados para recuperar o bem em questão que tenha sido lesado.


2.4.1.1.2. Ação Popular


A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIII, discorre que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao patrimônio histórico e cultural, e também ao meio ambiente. Ao usar a palavra “cidadão”, a Constituição estaria limitando, então, a legitimidade da propositura da ação popular àqueles em gozo de seus direitos políticos.


Entretanto, a exigência da condição de cidadão é plausível para ações que visem proteger o patrimônio público, mas não faz sentido quando a ação popular objetive proteger o meio ambiente. Isso porque o bem ambiental é de “todos”, conforme aduz o art. 225, caput/CF, sendo importante que não só o eleitor em dia com a Justiça Eleitoral possa ser legitimado, como também todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil[59].


Ademais, apesar de tal instrumento ser regido pela Lei nº 4.717 de 29 de junho de 1965, tal Lei será aplicada apenas quando a questão versar sobre bens de natureza pública, ou seja, patrimônio público. No que tange a proteção ao meio ambiente, de natureza difusa, aplica-se o procedimento previsto na Lei da Ação Civil Pública[60] já explicitado anteriormente.


2.4.1.1.3. Mandado de Segurança Coletivo


Conforme preceitua o art. 5º, LXIX/CF, o mandado de segurança será impetrado para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.


O inciso LXX do mesmo artigo traz a figura do mandado de segurança coletivo, que poderá ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.


Desta forma, há duas figuras: o mandado de segurança individual e o mandado de segurança coletivo, cuja diferença reside na legitimação ativa e o objeto da tutela, sendo no primeiro caso o instrumento de defesa de direitos individuais, e no segundo caso o instrumento de defesa de direitos coletivos.


Cabe esclarecer a questão do termo “coletivo” do mandado de segurança, que se emprega no que diz respeito à regra de legitimidade ativa, sem interferir no que seria o objeto da tutela, pois isso está definido no inciso do mandado de segurança tradicional, fazendo menção ao objeto como sendo o “direito líquido e certo”[61].


Logo, podemos concluir que o mandado de segurança coletivo poderá proteger direitos difusos, no qual se inclui o meio ambiente e, consequentemente os animais, sempre que tais direitos forem líquidos e certos e tenham sido lesionados ou estejam sob ameaça de serem lesionados por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.


2.4.1.2. Tutela Penal


Com o advento da Lei nº 9.605/98, determinadas condutas foram tipificadas como crimes contra a fauna. Sendo assim, qualquer pessoa que venha a tomar ciência de tais crimes poderá recorrer à autoridade policial ou ao Ministério Público para que tomem providências quanto à instauração de inquérito policial e ação penal pública.


Além da ação penal pública face os crimes contra a fauna caracterizados na Lei de Crimes Ambientais, outro instrumento vem sendo aplicado para a proteção dos animais, gerando bastante polêmica entre os doutrinadores, o Habeas Corpus.


2.4.1.2.1. Ação Penal Pública


No âmbito da Lei acima mencionada, as infrações penais cometidas serão objeto de ação penal pública incondicionada, cuja legitimidade para instauração é privativa do Ministério Público. Caso o Parquet não se manifeste tempestivamente, uma ação penal privada subsidiária à pública poderá ser instaurada, nos termos do art. 29 do Código de Processo Penal e do art. 100, § 3º do Código Penal.


2.4.1.2.2. Habeas Corpus


A Constituição Federal apresenta em seu art. 5º, LXVIII, a proteção por habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nesse sentido, o Código de Processo Penal prevê em seu art. 654 que o referido instituto poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.


A questão da aplicação do HC para tutelar a liberdade de locomoção de animais é polêmica, pois de um lado juristas afirmam se tratar de um remédio indiscutível e exclusivamente dirigido aos humanos, com base nos termos “alguém” e “pessoa” descritos nos dispositivos acima. Já do outro lado, há quem defenda que animais possam ser pacientes de HC, pois titulares do direito à liberdade de locomoção.


O primeiro HC[62] em favor dos animais de que se tem notícia foi impetrado em 1972 perante o Supremo Tribunal Federal, postulando a liberdade de todos os pássaros engaiolados, fundamentado no direito à liberdade de voo dos mesmos. O referido HC, contudo, não foi conhecido, visto que a Corte alegou que tal remédio não alcança os animais, eis que não se apresentam no mundo jurídico como sujeitos de direito.


Em 2005, foi impetrado HC[63] perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia em favor da chimpanzé chamada Suíça, a qual se encontrava enjaulada no Zoológico de Salvador, apresentando angústia e sofrimento em ser mantida em uma cela indigna. Postulou-se a extensão de direitos fundamentais aos grandes símios, devido ao seu alto grau de proximidade biológica com os seres humanos, pois compartilham conosco 99,4% do DNA.


O mencionado HC marcou a história dos Direitos dos Animais e abriu precedente no Brasil. O juiz do caso, Dr. Edmundo Lúcio da Cruz, conheceu o HC, admitindo, assim preenchidos os pressupostos processuais. Com isso, reconheceu-se que a chimpanzé poderia ser titular do direito à liberdade de locomoção, que seus impetrantes tinham capacidade processual e postulatória para ingressar com a demanda, e que o juízo era competente para analisar e julgar a questão. Contudo, o processo foi extinto sem a resolução do mérito em função da morte da chimpanzé.


Importante, porém, transcrever as palavras proferidas na sentença pelo douto juiz:

“Tenho a certeza que, com a aceitação do debate, consegui despertar a atenção de juristas de todo o país, tornando o tema motivo de amplas discussões, mesmo porque é sabido que o Direito Processual Penal não é estático, e sim sujeito a constantes mutações, onde novas decisões têm que se adaptar aos tempos hodiernos. Acredito que mesmo com a morte de ‘Suíça’, o assunto ainda irá perdurar em debates contínuos, principalmente nas salas de aula dos cursos de Direito, eis que houve diversas manifestações de colegas, advogados, estudantes e entidades outras, cada um deles dando opiniões e querendo fazer prevalecer seu ponto de vista. É certo que o tema não se esgota neste ‘writ’, continuará induvidosamente, provocando polêmica. Enfim. Pode, ou não pode, um primata ser equiparado a um ser humano? Será possível um animal ser liberado de uma jaula através de uma ordem de Habeas Corpus?”.


O caso em tela demonstrou que, apesar de ainda dominante o paradigma de que animais não são sujeitos de direito, o que muitas vezes acarreta na inviabilidade de qualquer discussão saudável sobre o tema, alguns juristas estão prontos para debater a questão e desenvolver um raciocínio de acordo com a evolução científica, cultural e moral, e assim irem além da letra fria da lei ou de posicionamentos tomados em tempos passados.


Já em 2008, perante o Superior Tribunal de Justiça, outro HC foi impetrado em favor de chimpanzés, dessa vez Lily e Megh. A autoridade coatora no caso era o IBAMA, e assim como no HC em favor da chimpanzé Suíça, postulou-se a extensão de direitos fundamentais aos grandes símios. O referido HC ainda está pendente de julgamento.


O HC[64] mais recente, do ano de 2010, foi impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a favor do chimpanzé Jimmy, que encontrava-se enjaulado no Zoológico de Niterói (ZooNit). Mais uma vez postulou-se a extensão dos direitos fundamentais.


Segundo constou nos autos deste processo, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o ZooNit, a fim de que o recinto onde o chimpanzé vivia fosse reformado para se adequar às exigências legais. Contudo, a reforma feita não assegurou a liberdade corporal de Jimmy, que se encontrava indevidamente aprisionado e em absoluto isolamento.


Nos termos dos autos:


“A manutenção de animais em cativeiro, em ambientes absolutamente artificiais, e mais, numa estrutura física totalmente inadequada, é um evidente ato de abuso, fato este tipificado como crime pelo art. 32 da Lei n. 9.605/98, já que os chimpanzés, seres extremamente sociáveis, não conseguem viver enclausurados, isolados ou solitários. Em virtude das peculiaridades biológicas desta espécie, a abusiva situação de isolamento a que é submetido acarretará a perda permanente da sua própria identidade. Com efeito, isto já está acontecendo com Jimmy. De acordo com o relato do biólogo Pedro de Jesus Menezes, que prestou serviços junto ao ZooNit neste ano de 2009, (doc.5), o paciente “mostra sinais de distúrbios comportamentais que podem ter como causa a solidão do confinamento artificial e a ausência de relações afetivas específicas à vida em grupo (...). De acordo com o Dr. Pedro Ynterian, microbiologista, presidente do Great Ape Project International (GAP) e fundador do “Santuário de Grandes Primatas – Sorocaba/SP” afirma com clareza que: Para nós, que conhecemos profundamente o quanto sofre um chimpanzé para viver em um lugar onde é observado, humilhado, controlado em seu horário, ao ir e vir, onde nem sequer tem um cobertor para as noites frias, temos que concluir que chimpanzés e, em geral, qualquer grande primata, não poderiam viver em zoológicos”.


Os impetrantes do HC em favor de Jimmy defenderam a utilização do método hermenêutico da interpretação extensiva para a ampliação do sentido da norma, de forma a alcançar casos semelhantes não previstos inicialmente por ela, requerendo, então, que a palavra “alguém”, utilizada como sinônimo de pessoa física, pudesse também incluir membros de outras espécies.


Além disso, citaram o raciocínio do constitucionalista americano Laurence Tribe, que considera que os argumentos que normalmente são utilizados para negar o reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos não passam de mitos, já que há muito tempo o Direito desenvolveu a teoria da pessoa jurídica, permitindo que mesmo seres inanimados possam ser sujeitos de direito.


Por fim, para defenderem os interesses de Jimmy, citaram a posição do ilustre jurista Antônio Herman Benjamim:


“o reconhecimento de direitos aos animais – ou mesmo à natureza – não leva ao resultado absurdo de propor que seres humanos e animais tenham os mesmos ou equivalentes direitos. O que se propõe é uma mudança de paradigma na dogmática jurídica (BENJAMIN, 2001)”.


O advogado de defesa, Fernando Fragoso, em seu memorial, destacou que os termos “alguém” do art. 647/CPP e o dever de constar na petição do HC “o nome da pessoa”, segundo o art. 654, § 1º/CPP, além do descrito no art. 5º, LXVIII/CF, são indiscutivelmente indícios de que a figura do habeas corpus só poderá ser usada a favor de seres humanos[65].


Apesar do HC não ter sido conhecido pelo TJRJ, que alegou que somente humanos poderiam ser pacientes de HC, em razão da ação civil pública proposta pelo Ministério Público requerendo a interdição do ZooNit, Jimmy e todos os outros animais que ali se encontravam enjaulados foram transferidos para outros zoológicos e santuários do Brasil.


2.4.1.3. Tutela Administrativa


Outras providências que visem a proteção dos animais podem ser tomadas perante os órgãos administrativos competentes para tutelar o meio ambiente, tanto no âmbito nacional, estadual, quanto municipal.


O órgão administrativo ambiental em nível nacional é o Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), autarquia federal criada pela Lei nº 7.735 de 22 de fevereiro de 1989, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.


Dentre as atividades deste órgão estão, está a de exercer o poder de polícia ambiental, fiscalizando as florestas, áreas protegidas, criadouros de animais, circos, zoológicos e parques ecológicos. O IBAMA também atua mediante a expedição de portarias normativas para regulamentar determinadas legislações[66].


2.5. Direito Comparado


O Direito dos Animais vem ganhando ao longo do tempo diversos adeptos e defensores ao redor do mundo, levando diversos países a mudarem sua legislação de forma a excluir algumas normas e instituir outras mais protetivas.


A proteção dos animais ganhou significativa importância na Alemanha, uma das maiores referências em proteção animal do mundo, que em 1990 reformou seu código civil de forma a dispor que animais não são coisas e estão protegidos por leis especiais, sendo situados fora das normas que disciplinam bens móveis e imóveis[67].


Outra significativa alteração normativa alemã ocorreu em 2002, quando o país emendou sua constituição de forma a elevar o direito dos animais à dignidade ao mesmo status dos direitos básicos humanos, cabendo ao Estado alemão a proteção de tais direitos[68].


Também é importante frisar que a Áustria, país que desde 1974 pune a crueldade contra animais, publicou em 2004 a Lei Federal de Proteção aos Animais, a qual veda o uso de coleiras elétricas em animais de companhia, assim como a promoção de lutas entre animais e a realização de propagandas que exponham o animal ao sofrimento e maus-tratos[69], configurando importantes medidas protetivas aos animais.


Na Espanha, algumas comunidades autônomas proibiram as touradas, que são consideradas por muitos como um dos maiores símbolos culturais desse país, como foi o caso da Catalunha e das Ilhas Canárias. Recentemente, em março de 2012, o Panamá também aboliu as touradas em seu território.


Interessante mencionar que a recente constituição do Equador de 2008[70] estabeleceu a natureza, ou Pacha Mama, como eles a chamam, como sujeito de direitos, atribuindo a ela, em seu capítulo sétimo, direitos como o de respeito integral à sua existência, manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos, cabendo a todos exigir das autoridades públicas o cumprimento desses direitos.


3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPLORAÇÃO DOS ANIMAIS NOS DIAS DE HOJE

3.1. Exploração para o entretenimento


Segundo ensina o doutrinador de Direito Ambiental, Édis Milaré:


“Percebe-se o equívoco que muitas vezes acontece, consistente em acobertar perversidades ou violências sob o manto antropocentrista, sustentado no valor cultural ou recreativo que possa representar determinada atividade humana em relação aos animais[71]”.


No Brasil, diversas são as práticas que submetem os animais ao sofrimento e que são aceitas pela sociedade sob a ótica cultural. Rodeios, vaquejadas, rinhas, entre outros, são apontados como esportes ou como simples exteriorização da cultura, mais importando o que o homem obtém de prazer do que o animal obtém de sofrimento.


Contudo, se parte da sociedade ainda aceita tais práticas, a outra vem se insurgindo contra elas, fazendo com que certos hábitos culturais venham a ser inclusive proibidos pela lei e pelos tribunais brasileiros, já que o bem ambiental prevalece ao cultural. Já não mais se entende determinadas atividades que envolvem o sofrimento animal como “esportes”, já que esta categoria requer participação voluntária, geralmente com algum ganho pecuniário, o que certamente não vale para os animais.


3.1.1. Rodeios


Questão muito discutida atualmente é a prática de rodeios, muito comum em certas regiões brasileiras e regulamentada por duas leis federais, a Lei nº 10.220 de 11 de abril de 2001 e a Lei nº 10.519 de 17 de julho de 2002.


A primeira Lei veio equiparar o peão de rodeio ao atleta profissional, sendo tal atividade consistente na participação, mediante remuneração, em provas de destreza no dorso de animais equinos ou bovinos, patrocinada por entidades públicas ou privadas. Tal Lei nada fala sobre qualquer tipo de proteção ao animal.

Já a segunda Lei se preocupou em determinar a fiscalização da defesa sanitária do animal nos rodeios, determinando seu acompanhamento por um médico veterinário e impondo condições de transporte, infraestrutura, acomodação e alimentação adequados aos bichos, além de proibir o uso de qualquer objeto que cause injúria ou ferimento a eles.


No entanto, ainda que a Lei impeça o uso de tais objetos, verdade é que dificilmente um animal não estará em sofrimento quando participa de um rodeio, já que tal prática consiste em se manter o maior tempo possível sobre o dorso do animal, que é estimulado a mover-se de um lado para o outro para tentar derrubar o peão de suas costas.


Ainda que se alegue, por parte das promotoras dos rodeios, que nenhum dispositivo que cause dor aos animais está sendo usado, já que o que se usa causa no máximo um desconforto, ou até que os animais efetivamente desfrutam da participação em rodeios, fato é que isso não condiz com a realidade. Basta se colocar no lugar do animal, que tem partes sensíveis do seu corpo apertadas por uma cinta (sedém), e que são estimulados com choques elétricos ou mecânicos e por objetos pontiagudos, tudo para que quando entre na arena se contorça tanto para repelir tal dor e incômodo ao ponto de derrubar o peão. Isso sem falar dos transtornos psicológicos que esse tipo de evento causa ao animal.


Cumpre destacar o entendimento da magistrada Teresa Ramos Marques, em brilhante Acórdão proferido pela 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, “Um certo instrumento, ou uma determinada prova, não deixam de ser cruéis simplesmente porque o legislador assim dispôs. Não se desfaz a crueldade por expressa disposição de lei” (Apelação nº 168.456.5/5-00)[72].


Diversas são as ações que adentram o judiciário com o fim de que se proíbam os rodeios, principalmente quando há indícios de que serão usados objetos que causem ferimento ao animal. No entanto, a jurisprudência permanece dividida quanto ao tema, havendo casos em que se entende que o rodeio submete o animal ao sofrimento e maus-tratos, sendo cruel e, portanto, afrontando a Constituição e a Lei de Crimes ambientais. Mas há outros casos em que a jurisprudência entende que a prática, por ser garantida em lei, não deve ser proibida quando não se consegue medir se há ou não dano aos animais.


A Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, já julgou a favor dos rodeios:


“No caso, então, se impõe autorização de realização das festividades e do rodeio respectivo, com orientação no sentido de rigorosa observância aos termos do disposto na lei n. 10.519/02 e na Lei Estadual n. 10 494/99. Em boa verdade, o evento em exame não se constitui atividade vedada por lei, apesar da legislação, inclusive a constitucional, proibir crueldade contra animais. Porém, não é possível supor que isso ocorrerá em todos os "rodeios" e "festas de peão". Então, apenas quando a atividade é realizada de forma comprovada a cometer maus-tratos é que seria lícito se estabelecer proibição, com a cabível interferência da autoridade pública incumbida da fiscalização e outros órgãos congêneres. Não se poderia, assim, falar em negativa pura e simples de autorização (alvará) para a realização do rodeio E assim justamente porque não se pode presumir que a só realização do evento implicará tais ocorrências, com o que não admissível a proibição com base em simples presunções”[73].


Em sentido contrário, a mesma Câmara proferiu, pouco mais de um ano depois, um julgado contrário aos rodeios, conforme a ementa:


“AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - RODEIO - MAUS-TRATOS A ANIMAIS. 1) Afirmação expressa de que Rodeios e Concursos de Provas de Peões de Boiadeiros e similares são atividades lícitas e permitidas hábeis a gerar entretenimento à comunidade e renda e negócios aos envolvidos empresarialmente. 2) Os princípios da prevenção e precaução permitem, em âmbito ambiental, sejam vedadas práticas cruéis e aptas a gerar maus-tratos aos animais, ainda que existam estudos em ambos os sentidos, bastando análise lógica e razoável das condições de sua realização e conseqüências. 3) A proteção aos animais e a vedação a maus-tratos ou condutas que empreguem meios cruéis decorrem da ordem constitucional, de forma que a existência de leis federal e estadual regulando a matéria só pode vingar se a regulamentação não afrontar o intento do legislador constituinte originário ao redigir o texto constitucional. Não se pode permitir seja a Carta Magna transformada em mero protocolo de intenções a ser seguido, se e caso interessar a este ou aquele setor. 4) Possível a condenação da Fazenda Pública, bem como o particular, em multa diária em caso de descumprimento de determinações judiciais. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO”[74].


Os defensores dos Direitos dos Animais também alegam que a prática do rodeio é inconstitucional e ilegal, ao passo que afronta o art. 225, § 1º, VII/CF que veda a crueldade com os animais, sem contudo, ter limitado graus de crueldade permitidos. No mesmo sentido, a Lei de Crimes Ambientais, em seu art. 32, proíbe práticas de abuso e maus-tratos contra animais, sem também definir o que seriam tais práticas.


Nesse contexto, se poderia recorrer ao Decreto nº 24.645/34, que tem força de lei e cujo art. 3º dispõe de uma lista, não taxativa, de atos considerados maus-tratos. Segundo seu inciso IV, considera-se maus-tratos o ato de golpear ou ferir, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia do animal, enquanto que seu inciso XXIX inclui como maus-tratos o ato de promover touradas e simulacros de touradas.


Não é difícil perceber os maus-tratos causados durante praticamente todas as etapas do rodeio, onde o animal se vê induzido a se comportar de maneira feroz para se livrar da dor e agonia causados a ele no intuito de que tente derrubar o peão. E ainda, se há dúvidas quanto à inflição de dor ou não aos animais, há de se invocar o princípio da precaução[75] do Direito Ambiental, que surge in dubio pro natura[76].


Sendo assim, a prática do rodeio deveria ser considerada inconstitucional e ilegal, pois inegavelmente representa maus-tratos aos animais, além de colocar suas vidas e também a vida dos próprios peões em risco. Muitos deles, inclusive, já morreram pisoteados pelos bois ao caírem de seu dorso.


Por fim, cumpre relembrar o recente caso ocorrido no final de 2011 no famoso rodeio de Barretos, onde um bezerro ficou tetraplégico ao ter seu pescoço imobilizado de forma brutal por um peão em uma das modalidades de rodeio chamada bulldogging. Após o ocorrido, os organizadores do evento sacrificaram o jovem animal.


3.1.2. Farra do boi


Outra polêmica prática é a chamada “farra do boi”, comumente praticada no Estado de Santa Catarina. Ela consiste na perseguição e linchamento de animais como bois e vacas, que são perseguidos por pessoas munidas de paus, pedras e outros objetos capazes de machucar. Durante mais de um dia os animais são submetidos a um prolongado martírio, que resulta em espancamentos, fraturas, mutilações e queimaduras, tudo em nome da “cultura”[77].


Após a luta de diversos protetores dos animais, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que em 3 de junho de 1997 declarou a prática da farra do boi como inconstitucional por maioria de votos. Importante transcrever o voto do Ministro Francisco Rezek, que se manifestou contra os argumentos folclóricos e culturais que se alegava para legitimar tal prática, seguindo em defesa da proteção aos animais:


“Não posso ver como juridicamente correta a idéia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural, com abusos avulsos: há uma prática abertamente violenta e cruel para com animais, e a Constituição não deseja isso. Bem o disse o advogado na Tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de ‘papier maché’; não seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de comportamento[78]”.[79]



3.1.3. Rinhas


As rinhas são outra prática comum no Brasil, consistindo em um combate previamente armado pelo homem, que instiga e treina animais para lutarem contra outros da sua própria espécie. Geralmente se usam galos, mas também é comum haver rinhas de cães, principalmente da raça pitbull.


Os animais usados nas rinhas sofrem toda sorte de crueldade antes do combate, sendo espancados, mutilados d treinados para sentirem ódio e desejo de destruição. Quando ocorre a luta, um animal mutila o outro, e ela só acaba com a morte daquele que foi o mais “fraco” no combate.


Inegável é a crueldade cometida contra os animais nas rinhas, contrariando diretamente os preceitos da Constituição e das normas infraconstitucionais, tanto que nossos Tribunais vêm interpretando tal prática como cruel e, por consequência, como inconstitucionais todas as leis estaduais e municipais que reconheçam e regulamentem a questão.


Vale ressaltar as palavras do Ministro Ayres Britto em decisão do STF de 2011 que julgou inconstitucional lei estadual do Rio de Janeiro que autorizava e regulamentava a prática de rinha de galos:


“(...) essa crueldade, caracterizadora de tortura, manifesta-se no uso do derramamento de sangue e da mutilação física como um meio, porque o fim é a morte. O jogo só vale se for praticado até a morte de um dos contendores, de um dos galos, que são seres vivos. Quer dizer, é um meio. Derramar sangue e mutilar fisicamente o animal não é sequer o fim. O fim é, verdadeiramente, a morte de cada um deles; a briga até a exaustão e a morte. E não se pode perder a oportunidade para que a Suprema Corte manifeste seu repúdio, com base na Constituição, a esse tipo de prática, que não é esporte nem manifestação de cultura (...)[80]”.[81]


3.2. Experimentação animal e vivissecção


Uma das mais cruéis práticas contra os animais se observa no âmbito dos experimentos científicos que os usam como cobaias, nos quais se inclui a vivissecção, que consiste no processo pelo qual animais saudáveis têm seus corpos abertos para estudo e pesquisas, por vezes sem anestesia, sendo, ao final, sacrificados.


Sob a justificativa de que tais práticas são estritamente necessárias para o progresso da ciência e consequente benefício humano, a cada ano milhões de animais ao redor do mundo são torturados, privados de uma vida natural, confinados em espaços indignos, abusados física e psicologicamente, mutilados, sacrificados, forçados a ingerir substâncias nocivas, induzidos a contraírem doenças, entre outras bizarrices.


Nos testes de cosméticos, por exemplo, é comum que se esfregue substâncias nos olhos e na pele dos animais, causando lesões graves, cegueira e até a morte. Nos testes de produtos de limpeza, animais são forçados a ingerirem substâncias tóxicas, a fim de se observar o efeito em seus organismos, em dosagens que vão gradualmente aumentando até que resulte em morte.


Muitas faculdades de veterinária, inclusive, alegam que ser necessária a vivissecção para o efetivo ensino do curso, o que é falso, já que nem mesmo para o estudo da medicina humana se usa corpos de pessoas vivas como cobaias para sacrificá-las logo após.


A ciência já mostrou alternativas para a experimentação científica muito mais eficientes e que eliminam totalmente o uso de animais. Hoje existem métodos como as simulações computadorizadas, necrópsias e biópsias, sistemas biológicos ‘in vitro’, estudos clínicos[82], necropsia de animais mortos naturalmente e a cultura de células humanas em laboratório, que se faz muito mais eficaz, pois lida com organismos provenientes do corpo humano, proporcionando mais segurança nos resultados.


Os defensores dos métodos de experimentação animal argumentam ser imprescindível testar os produtos em animais para assegurar a saúde dos humanos, aos quais se destina a maioria dos produtos, sendo melhor testar em animais que em homens. Ocorre que, além das alternativas a tais métodos, os testes em animais não são cem por cento eficazes, pois usam organismos que biologicamente funcionam de forma diferente do nosso.


Contudo, infelizmente os testes em animais ainda são comuns, muitas vezes pelo retorno econômico que geram, ou pela ignorância por parte dos pesquisadores da existência de alternativas eficazes. Além desses fatores, a prática é regulamentada por lei.


Apesar da expressa proibição na Constituição às práticas cruéis e também na Lei de Crimes Ambientais, que proíbe a experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos quando existirem recursos alternativos, em 8 de outubro de 2008 a Lei nº 11.794 veio regulamentar o inciso VII do § 1º do art. 225/CF, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais.


Tal Lei trata de critérios para a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, atribuindo ao Ministério da Ciência e Tecnologia a competência para licenciar tais atividades, além de criar o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA).


Uma das competências do CONCEA é a de monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa. Contudo, a Lei não obriga a substituição dos métodos tradicionais pelas alternativas existentes.


Essa Lei pode ser considerada de cunho bem-estarista, pois prevê a morte do animal por meios humanitários, evitando, na medida do possível, seu sofrimento físico e mental. Também prevê que experimentos que possam causar dor ou angústia devam se desenvolver sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas e que sempre que possível as práticas de ensino devem ser fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de práticas futuras, evitando a repetição desnecessária de procedimentos didáticos com animais. Também veda a reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa.


No entanto, sob o ponto de vista abolicionista, os experimentos em animais é injustificável, pois sempre acarretará em dor e sofrimento desnecessários ao animal, ao qual é imposta a obrigação de salvar a humanidade de doenças em detrimento da sua própria saúde física e psicológica, e até da sua vida.[83]

Interessante reproduzir a frase do médico italiano antivivisseccionista Stefano Cagno:


“Preferimos salvar tanto a criança quanto o rato porque, além das explicações científicas segundo as quais a experimentação animal pode causar também a morte da criança, é importante entender que uma ciência que adota o princípio de que ‘os fins justificam os meios’ é uma ciência doente, para a qual qualquer atrocidade, até contra o homem, poderá ser legitimada (...)”[84].


3.3. Tráfico de animais silvestres


O tráfico de animais silvestres é uma cultura brasileira antiga, que vem desde a colonização do país, quando embarcações levavam para Portugal pau-brasil, papagaios, macacos e pele de animais como de felinos. Hoje, o tráfico de animais silvestres representa uma das maiores e mais lucrativas atividades ilícitas no mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas. Estima-se que a atividade movimente em torno de 10 a 20 bilhões de dólares ao redor do mundo, sendo que o Brasil contribui com 15% desse valor[85].


Não há dúvidas da crueldade que sofrem os animais destinados ao tráfico, que são retirados de forma violenta de seu habitat natural, na maioria das vezes ainda filhotes indefesos, e submetidos a toda sorte de tratamento até chegar ao seu destinatário final. Durante o trajeto, muitas vezes eles são mantidos em condições indignas, o que acarreta em ferimentos e até em morte.


Neste âmbito, se faz importante relembrar a proteção dada aos animais pelo inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição, que veda práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.


A Lei de Proteção à Fauna, em seu art. 3º, proíbe o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha. Nesse sentido, a Lei de Crimes Ambientais também pune quem mata, persegue, caça, apanha e utiliza espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.


De maneira a conferir maior proteção aos animais e maior repressão a esse tipo de conduta, o projeto do novo Código Penal prevê multa e pena mínima de dois e máxima de seis anos para quem praticar essa atividade, além de incluir outros tipos caracterizadores da infração. Com a nova redação, constitui crime “importar, exportar, remeter, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em cativeiro ou depósito, transportar, trazer consigo, guardar, entregar a comércio ou fornecer, sem autorização legal regulamentar, ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, incluídos penas, peles e couros”[86].


3.4. Abandono de Animais


O abandono de animais é e sempre foi um fato muito comum. Por serem caracterizados como objetos e não sujeitos, os animais são tratados como descartáveis, sendo cuidados na medida em que são úteis para os homens. Vez que perdem tal utilidade ou passam a demandar mais trabalho do que “recompensa”, o ser humano os descarta como quem joga fora um objeto qualquer, sem nenhuma punição por esse abandono.


A única previsão expressa de abandono é encontrada no Decreto nº 24.645/34, que considera como maus-tratos o abandono de animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, mas que nada fala sobre o abandono de animais saudáveis, o que também é muito comum.


Os animais abandonados sofrem imensa perturbação psicológica, principalmente quando passaram a maior parte de suas vidas sob os cuidados daquele que os abandonou. Sem reconhecer o ambiente em que são abandonados, sem saber buscar seu alimento e sofrendo toda sorte de abuso em ambientes públicos, diversos animais morrem, ou simplesmente se aumenta o número de animais de rua, que procriam sem controle, causando problemas indiretos à população.


Ora, animais não são objetos, não se pode descartá-los como quem descarta uma caneta sem tinta. Animais possuem sentimentos, seja de alegria, felicidade, satisfação e prazer, seja de dor, medo, frio, fome, estresse, ansiedade e tristeza. Quando acostumados a um ambiente doméstico, os animais dificilmente conseguirão se manter sozinhos nas ruas, sendo incapazes de se defenderem dos riscos resultantes do abandono, assim como as crianças.


No intuito de proteger os animais contra o abandono, o projeto do novo Código Penal criminaliza esta conduta. De acordo com a proposta, “abandonar, em qualquer espaço público ou privado, animal doméstico, domesticado, silvestre, exótico, ou em rota migratória, do qual detém a propriedade, posse ou guarda, ou que está sob guarda, vigilância ou autoridade” passa a ser crime, punido com pena de um a quatro anos e multa[87].


3.5. Outras considerações


Diversos são os tipos de exploração sofridos pelos animais atualmente no mundo. Não se limitam ao tráfico, experimentos científicos, rodeios, rinhas e abandono. Diariamente milhões de animais são mortos para o consumo humano, para o uso de sua pele e para a produção de perfumes e cosméticos, sendo submetidos a tratamentos cruéis.


Desde a sua concepção muitos animais já têm seus destinos traçados: a morte. Toda uma vida natural lhes é privada pelo homem, na ganância de lucrar com isso de um lado, e na obsessão de obter prazer de outro.


O que de pior se pode constatar é que o homem não precisa, atualmente, de nada advindo do animal para sobreviver. Com a evolução da ciência e também da moral humana, não há que se falar que animais são essenciais para o homem. Sendo assim, quando escolhe explorar e matar animais, o homem os faz por opção, porque lhe é conveniente, porque lhe é lucrativo, porque é um hábito, porque é uma cultura.


Ao passo em que se ordena a proteção dos animais em diversos sentidos, tanto pela norma constitucional quanto pela infraconstitucional, se admite a regulamentação da exploração e morte dos animais em determinados casos, e essa questão é difícil de ser mudada. Para haver a mudança de consciência temos que quebrar paradigmas culturais e, consequentemente, paradigmas jurídicos.


CONCLUSÃO


Ainda que pese a visão clássica do Direito em tratar os animais como objetos de direitos, defendendo que a titularidade de direitos fundamentais prescinde da capacidade de contrair deveres, algumas normas de cunho protecionista garantem que animais são sujeitos de direitos, ao mínimo desses direitos instituídos por tais normas.


Em sentido contrário, o Direito dos Animais busca o reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, sem, contudo, ter a pretensão de assegurar que todos os direitos garantidos ao homem sejam estendidos aos animais, pois dada a condição de cada um isso seria impossível e inútil. Tal ramo não pretende garantir que os animais tenham direitos políticos ou direito à liberdade religiosa, por exemplo, e nem lhes quer imputar obrigações. Apenas se busca garantir direitos fundamentais básicos inerentes às suas condições de animais, seres vivos e sencientes que são, como o direito à vida, à integridade física e psicológica, à liberdade.


Se o homem acredita ser superior, levando em consideração a maior racionalidade que possui em relação aos demais animais, seria mais coerente que usasse essa premissa como um dever de beneficiar os animais, a natureza e outros humanos, e não aferir que tem o direito de causar sofrimento e destruir o que lhe é “inferior”.


Para concluir, deixo a seguinte passagem do livro O Evangelho dos Animais[88] para reflexão:


“Os animais não são simples máquinas como supondes (...) por trás do corpo físico há uma alma, que ali se encontra relacionando-se com o mundo, consciente de sua existência, de sua individualidade. Isto é algo para profunda meditação, porque significa que, por trás de todo corpo físico de animal que existe no mundo, há uma alma, que se relaciona com o mundo, com consciência de si mesma e do ambiente ao redor, que sente, que sofre, que ama, que vive e não somente sobrevive, e que, por não poder se comunicar de forma articulada com o ser humano, sofre profunda discriminação, é entendida como máquina, explorada. Os animais são, com certeza, as criaturas mais sofridas do planeta Terra neste momento”.





REFERÊNCIAS


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[1] MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Os Pensadores ,Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 203-204. [2] “Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! (…) Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição”. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/filosofico.html [3] Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci>. Acesso em 01/06/12. [4] BENTHAM, Jeremy. The Principles of Morals and Legislation apud SINGER, Peter. Libertação Animal. Porto Alegre: Lugano, 2004, p. 8-9. [5] Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 6, ano 5, jan./jun. 2010. p. 272. [6] SINGER, Peter. Op. Cit. p. 357. [7]_____________. Vida Ética. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 420. [8] _____________. Libertação Animal. Op. Cit. p. 357. [9]De acordo com a filósofa Sônia Felipe “o termo especismo designa a forma discriminatória pela qual seres humanos tratam seres de outras espécies animais como se estes existissem exclusivamente para servir aos interesses daquele, os interesses e preferências dos humanos são sempre colocados como inquestionavelmente superiores e, portanto, prioritários em relação aos interesses de todos os demais animais, ainda que alguns interesses expressos dos animais sejam exatamente os mesmos ou até superiores aos dos humanos”. FELIPE, Sônia T. Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Fundação Boiteux: Florianópolis, 2003, p. 83-84. [10]RODRIGUES, Diogo Luiz Cordeiro. Legitimação dos direitos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 6, ano 5, jan./jun. 2010. p. 265. [11] FRANCIONE, Gary L. Introduction to animal rights: your child or the dog? Philadelphia: Temple University Press, 2000. Informação retirada do sítio do próprio autor: http://www.abolitionistapproach.com/books/introduction-to-animal-rights-your-child-or-the-dog/. Acesso em 03/06/12. [12] RODRIGUES, Diogo Luiz Cordeiro. Op. Cit. p. 280. [13] FRANCIONE, Gary L.; GARNER, Robert. Informação retirada do sítio do próprio autor: http://www.abolitionistapproach.com/books/introduction-to-animal-rights-your-child-or-the-dog/. Acesso em 03/06/12. [14] FRANCIONE, Gary L. Introduction to animal rights: your child or the dog? Philadelphia: Temple University Press, 2000. p. 165. apud FILHO, Leon Denis Moreira Filho. Ética Animal: parte 2. Revista Filosofia, São Paulo, v. 32, p. 22, 2011. [15] REGAN, Tom. The Case for Animal Rights, 1983. p. 243. apud FILHO, Leon Denis Moreira Filho. Ética Animal: parte 2. Revista Filosofia, São Paulo, v. 32, p. 22, 2011. [16] REGAN, Tom. Os animais têm direito à vida?. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 4, ano 3, jan./dez. 2008. p. 24. [17] No que tange os animais, o Código Civil Brasileiro de 2002 descreve: “Art. 445. § 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, (...). Art. 1.397. As crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto. Art. 1.442. Podem ser objeto de penhor: V - animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. Art. 1.444. Podem ser objeto de penhor os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios. Art. 1.445. O devedor não poderá alienar os animais empenhados sem prévio consentimento, por escrito, do credor. Parágrafo único. Quando o devedor pretende alienar o gado empenhado ou, por negligência, ameace prejudicar o credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiro, ou exigir que se lhe pague a dívida de imediato. Art. 1.446. Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos, ficam sub-rogados no penhor. Art. 1.447. Podem ser objeto de penhor (...) animais, utilizados na indústria; (...)”. [18]GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, volume I: parte geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 265. [19] _____________________, Op. Cit. p. 269. [20]SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 27ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. [21] Ainda segundo o vocabulário jurídico: “ANIMAIS BRAVIOS. Assim se diz dos animais que, sem dono e em liberdade, vivem nas florestas e nos campos devolutos. Animais selvagens. Os animais bravios, apreendidos ou caçados, passam a pertencer àquele que deles se assenhorear e os domesticar, assinalando-os com sua marca. ANIMAIS DOMÉSTICOS. Assim se designam os animais já amansados ou domesticados pelo homem, e por ele assinalados com a sua marca, que lhe dá a propriedade. Consideram-se propriamente domesticados os que, sendo anteriormente bravios, já apropriados, se acostumaram ao jugo do homem e lhe prestam serventia. Mansos, quando nascem e vivem em poder da pessoa a quem pertencem. Os animais mansos se mostram frutos dos animais bravios domesticados e passam a pertencer ao dono do animal domesticado por efeito da acessão. Os animais domesticados ou mansos, que não forem assinalados por seu proprietário, se tiverem perdido o hábito de voltar ao lugar onde costumam recolher-se, salvo se o proprietário anda à sua procura, serão considerados coisas sem dono”. [22]AMARAL, Francisco. Introdução ao Direito Romano. 5ª ed. UFRJ, 2006. p. 30. [23]GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Op. Cit. p. 80. [24]AMARAL, Francisco. Op. Cit. p. 32. [25]NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Disponível em http://pt.scribd.com/flavitxa/d/74893725-Paulo-Nader-Introducao-ao-Estudo-do-Direito. Acesso em 05/06/12. [26]MAGALHÃES, Valeria Barbosa; RALL, Vânia. Reflexões sobre a tolerância: direito dos animais. Salvador/São Paulo: Humanitas, 2010. p. 35. [27] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 25ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001. [28] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, volume I: parte geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 138. [29] SILVA, De Plácido e. Op.Cit. [30] CARDOZO, Edna. Os animais como sujeitos de direito. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 1, ano 1, jun./dez. 2006. p. 121. [31] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 137. [32] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68. [33] Segundo FIORILLO: “A fauna doméstica é aquela que não vive em liberdade, mas em cativeiro, sofrendo modificação do seu habitat natural. Convive geralmente em harmonia com a presença humana, inclusive estabelecendo com esta um vínculo de dependência para sobreviver.” FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. Cit. p. 136. [34] A Lei nº 5.197/67 em seu art. 1º. “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.” [35]PHELPS, Norm, 1999, p. 42 apud MAGALHÃES, Valeria Barbosa; RALL, Vânia. Op. Cit. p. 38. [36]RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito e os Animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2ª ed. (ano 2008), 3ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011. p. 65. [37] “Artigo 1º Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2º 1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem. Artigo 3º 1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. Artigo 4º 1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. 2.Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito. Artigo 5º 1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie. 2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito. Artigo 6º 1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Artigo 7º Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8º 1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação. 2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9º Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor. Artigo 10º 1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. 2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. Artigo 11º Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida. Artigo 12º 1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie. 2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo 13º 1.O animal morto deve de ser tratado com respeito. 2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14º 1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental. 2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem”. [38] LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. 2ª ed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2004. p. 47. [39]CARDOZO, Edna. A defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 550, 8 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6111>. Acesso em 02/06/12. [40]Fonte: http://aldf.org/userdata_display.php?modin=51. Acesso em 01/06/12. [41] A Associação Dietética Americana (The American Dietetic Association) e os Nutricionistas do Canadá (Dietitians of Canada) consideram a dieta vegana como apropriada para todos os estágios do ciclo de vida. Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12826028. Acesso em 01/06/12. [42]Fonte: http://www.prms.mpf.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/arquivo/2011/Recomendacao%20016-2011%20-%20Anvisa%20e%20Defesa%20dos%20Animais.pdf. Acesso em 08/06/12. [43] LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 30. [44]RODRIGUES, Danielle Tetü. Op. Cit. p. 66. [45]LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 31. [46] Segundo o Dicionário Michaelis: “vivissecção: dissecação de animais vivos, para estudo de fenômenos fisiológicos.” [47]CASTRO, João Marcos Adede y. Direito dos Animais na Legislação Brasileira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006. p. 54. [48] Constituição Estadual de São Paulo, art. 193, X. Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, art. 13, V e art. 251, § 1º, VIII. Constituição Estadual do Rio de Janeiro, art. 261, § 1º, IV. Constituição Estadual do Acre, art. 206, § 1º, V. Constituição Estadual da Bahia, art. 214, VII. Constituição Estadual do Maranhão, art. 241, II. Constituição Estadual do Amapá, art. 313, VII. Constituição Estadual do Rio Grande do Norte, art. 150, § 1º, VIII. Constituição Estadual de Rondônia, art. 221, VI. Constituição Estadual do Piauí, art. 237, § 1º, VIII. Constituição Estadual do Amazonas, art. 230, VIII. Constituição Estadual de Santa Catarina, art. 182, III. Constituição Estadual do Paraná, art. 207, § 1º, XIV. Constituição Estadual do Sergipe, art. 232, § 1º, V. Constituição Estadual da Paraíba, art. 227, II. Constituição Estadual do Tocantins, art. 110, III. Constituição Estadual de Alagoas, art. 217, VI. Constituição Estadual do Ceará, art. 259, § único, XI. Constituição Estadual de Minas Gerais, art. 214, § 1º, V. Constituição Estadual do Mato Grosso, art. 263, § único, IX. Constituição Estadual do Espírito Santo, art. 186, § único, III. Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 296. [49] STJ, REsp 1115916/MG. Rel. Min. Humberto Martins. 2ª turma. DJe 18/09/2009. [50] Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105849. Acesso em 10/06/12. [51] “Art. 593. São coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I - Os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade. II - Os mansos e domesticados que não forem assinalados, se tiverem perdido o hábito de voltar ao lugar onde costumam recolher-se, salvo a hipótese do art. 596. III - Os enxames de abelhas, anteriormente apropriados, se o dono da colmeia, a que pertenciam, os não reclamar imediatamente. Art. 594. Observados os regulamentos administrativos da caça, poderá ela exerce-se nas terras públicas, ou nas particulares, com licença de seu dono. Art. 595. Pertence ao caçador o animal por ele apreendido. Se o Caçador for no encalço do animal e o tiver ferido, este lhe pertencerá, embora outrem o tenha apreendido. Art. 596. Não se reputam animais de caça os domésticos que fugirem a seus donos, enquanto estes lhes andarem à procura. Art. 597. Se a caça ferida se acolher a terreno cercado, murado, valiado, ou cultivado, o dono deste, não querendo permitir a entrada do caçador, terá que a entregar, ou expelir. Art. 598. Aquele, que penetrar em terreno alheio, sem licença do dono, para caçar, perderá para este a caça, que apanhe, e responder-lhe-á pelo dano, que lhe cause. Art. 599. Observados os regulamentos administrativos, lícito é pescar em águas públicas, ou nas particulares, com o consentimento de seu dono. Art. 600. Pertence ao pescador o peixe, que pescar, e o que o arpoado, ou farpado, perseguir, embora outrem o colha. Art. 601. Aquele, que, sem permissão do proprietário, pescar, em águas alheias, perderá para ele o peixe que apanhe, e responder-lhe-á pelo dano, que lhe faça. Art. 602. Nas águas particulares, que atravessem terrenos de muitos donos, cada um dos ribeirinhos tem direito a pescar de seu lado, até ao meio dia delas. Art. 722. As crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas quantas bastem, para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto. Art. 781. Podem ser objeto de penhor agrícola: V - Animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. Art. 784. No penhor de animais, sob pena de nulidade, o instrumento designá-los-á com a maior precisão, particularizando, o lugar onde se achem, e o destino, que tiverem. Art. 785. O devedor não poderá vender o gado empenhado, sem prévio consentimento escrito do credor. Art. 786. Quando o devedor pretenda vender o gado empenhado, ou, por negligente, ameace prejudicar o credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiro, ou exigir que se lhe pague a dívida in-continenti. Art. 787. Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortes, ficam sub-rogados no penhor. Art. 1.416. Dá-se a parceria pecuária, quando se entregam animais a alguém para os pastoreais, tratar e criar, mediante uma quota nos lucros produzidos. Art. 1.417. Constituem objeto de partilha as crias dos animais e os seus produtos, como pele, crinas, lãs e leite. Art. 1.418. O parceiro proprietário substituirá por outros, no caso de evicção, os animais evictos. Art. 1.420. Ao proprietário caberá o proveito, que se obtenha dos animais mortos, pertencentes ao capital. Art. 1.421. Salvo clausula em contrário, nenhum parceiro, sem licença do outro, poderá dispor do gado. Art. 1.422. As despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador.” [52] No capítulo da usurpação: “art. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade: Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa. No capítulo de dano: Art. 164 - Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa. No capítulo de crimes de perigo comum: Art. 259 - Difundir doença ou praga que possa causar dano a floresta, plantação ou animais de utilidade econômica: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa”. [53] Segundo o Código de Defesa do Consumidor, art. 81, § único, I: “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. [54] RODRIGUES, Danielle Tetü. Op. Cit. p. 71. [55] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 195. [56]CARDOZO, Edna. Op. Cit. p. 120. [57]DESTEFENNI apud RODRIGUES, Danielle Tetü. Op. Cit. p. 188. [58]RODRIGUES, Danielle Tetü. Op. Cit. p. 216. [59] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. Cit. p. 426. [60] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. Cit. p. 425. [61] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. Cit. p. 435. [62] STF, HC 50.343/Guanabara. Rel. Min Djaci Falcão. [63]9ª Vara Criminal de Salvador, HC 833085-3/2005. [64] 5ª Vara Criminal de Niterói/RJ. Processo nº 0063717-63.2009.8.19.0002. [65]Fonte: http://www.oabrj.org.br/detalheNoticia/62503/HC-de-chimpanze-nao-trata-de-liberdade-diz-advogado.html. Acesso em 08/06/12. [66] LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 93. [67] MIGLIORE, Alfredo Domingues Barbosa; OLIVEIRA, Thiago Pires. Direito deles ou nosso dever? O sofrimento animal sob a perspectiva bioética. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 6, ano 5, jan./jun. 2010. p. 112. [68] SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 1, ano 1, jun./dez. 2006. p. 82. [69]SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. Op. Cit. p. 83. [70]Fonte: http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/Constitucion-2008.pdf. Acesso em 03/06/12. [71] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001. p. 251. [72]LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 58. [73] Tribunal de Justiça de São Paulo. Rel. Des. J. G. Jacobina Rabello. Câmara especial do meio ambiente. Jul. 10/05/2007. Apelação com revisão nº 344.677-5/6. [74] Tribunal de Justiça de São Paulo. Câmara Especial do Meio Ambiente. Rel. Des. Regina Capistrano. DJ 11/08/2008. Apelação com revisão nº 612.861-5/4-00. [75] Tal princípio encontra-se expresso na Declaração do Rio feita em Conferência das Nações Unidas em 1992, que discorre: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. [76] MARTINS, Renata de Freitas. Parecer: utilização de animais em rodeios. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 5, ano 4, jan./dez. 2009. p. 393. [77]LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 55. [78] STF, RE 153531/SC. Rel. Min. Francisco Rezek. 2ª turma. Jul. 03/06/1997. [79]LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 55-56. [80] ADI nº 1.856/RJ. Tribunal Pleno. Rel. Celso de Mello. Jul. 26/05/11. [81] No mesmo sentido, ADI nº 2.514/SC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Eros Grau. DJ 09/12/2005 e ADI nº 3.776-5/RN. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso. Jul 14/06/2007. [82] LEVAI, Tâmara Bauab. Vítimas da ciência: limites éticos da experimentação animal. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2001. p. 45-46. [83] Recentemente o Ministério Público do Paraná ajuizou ação civil pública contra a Universidade Estadual de Maringá (UEM) para impedir o uso de cães nos experimentos e procedimentos clínicos do curso de Odontologia. Foi concedida uma liminar a favor da pretensão do MP, que suspendeu o uso dos cães, que eram mantidos em condições precárias de higiene e submetidos a experimentos dolorosos, sem anestesia adequada. Fonte: http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3789. Acesso em 13/06/12. [84]CAGNO apud LEVAI, Laerte Fernando. Op. Cit. p. 72. [85] NOBRE, Nicolle Neves. Da necessidade de um novo tipo penal: crime de tráfico de animais. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v. 2, ano 2, jan./jun. 2007. p. 670. [86] Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105849. Acesso em 13/06/12. [87] Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105849>. Acesso em 13/06/12. [88]CALADO, Sandra Denise. O Evangelho dos Animais. São Paulo: ASSEAMA, 2011, p. 317.

 
 
 

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